A área coberta por vegetação secundária na Amazônia é vasta, porém invisível aos sistemas de monitoramento existentes. Sem monitoramento, ela permanece absolutamente vulnerável.

Como era de se esperar, não passou de uma manobra midiática o encontro do presidente Jair Bolsonaro com o bilionário Elon Musk em sua recente visita ao Brasil. Isso não mitiga, contudo, a afronta contida em um dos motivos alegados para o encontro: discutir um sistema de monitoramento por satélite para combate ao desmatamento ilegal na Amazônia

Digo “afronta”, pois, para aqueles que, como eu, levam a sério o monitoramento ambiental como ferramenta crítica para a proteção florestal na Amazônia, chega a ser ofensivo o atual governo simular interesse no tema. Afinal, foi esse mesmo governo que sistematicamente desmontou o controle ambiental na região e, com isso, impulsionou a taxa de perda florestal para níveis que não víamos há 15 anos.

Vale lembrar que o Brasil já tem excepcionais sistemas de monitoramento florestal por satélite para a Amazônia. No plural mesmo, pois o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mantém o Prodes há mais de três décadas e o Deter desde 2004.

Enquanto o primeiro faz um mapeamento fino das áreas desmatadas anualmente, o segundo identifica locais com perda florestal em tempo quase-real e emite alertas associados a esses locais para apoiar operações de controle ambiental. Ambos pioneiros quando lançados, os sistemas foram aprimorados ao longo do tempo e contam com rigorosa validação e amplo apoio por parte das comunidades científicas nacional e internacional.

Claro que nenhum sistema é perfeito e tampouco infalível, mas o que falta ao Brasil hoje para combater o desmatamento na Amazônia não é imagem de satélite. O gargalo está na capacidade de resposta por parte das autoridades de controle ambiental, tolhida pela atual gestão federal.

O que falta ao Brasil hoje para combater o desmatamento na Amazônia não é imagem de satélite. O gargalo está na capacidade de resposta por parte das autoridades de controle ambiental, tolhida pela atual gestão federal.

Para uma gestão que tenha genuíno interesse em fortalecer a proteção da vegetação nativa através do uso de satélites, fica a dica: apoie o desenvolvimento de sistemas para o mapeamento e o monitoramento da vegetação secundária na Amazônia. 

Vegetação secundária é aquela que cresce em áreas que já foram desmatadas. Em 2014, último ano para o qual há dados oficiais sobre o uso do solo em áreas desmatadas na Amazônia, essa vegetação cobria um quarto da área historicamente desmatada, totalizando 17 milhões de hectares. A maior parte dessa área se deve à regeneração passiva. São áreas abandonadas nas quais a floresta ainda consegue crescer naturalmente, sem apoio de esforços ativos de restauração. 

A vegetação secundária na Amazônia está completamente vulnerável, pois é invisível aos atuais sistemas de monitoramento. Tanto o Prodes quanto o Deter foram desenhados para detectar exclusivamente a perda de vegetação primária, aquela que nunca foi desmatada. Os sistemas sequer enxergam dentro da chamada “máscara de desmatamento”, que é o histórico acumulado da área desmatada e justamente onde se encontra vegetação secundária. A figura abaixo ilustra essa relação.

Por que a vegetação secundária é invisível aos sistemas de monitoramento florestal?

Fonte: CPI/PUC-Rio (2020).

O Brasil mapeou, por alguns anos, a vegetação secundária na Amazônia como parte do Projeto TerraClass. Parceria entre o Inpe e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o projeto classificava o uso do solo em áreas já desmatadas, mas só o fez por um período limitado, sendo 2014 o último ano com dados disponíveis. 

Iniciativas da academia e da sociedade civil que estenderam esse mapeamento por períodos mais longos trazem um alerta importante: na última década, o desmatamento da vegetação secundária chegou a superar aquele da vegetação primária.

Ainda que sistemas desenvolvidos e mantidos pela sociedade civil, como aquele feito no âmbito do projeto MapBiomas, sejam fundamentais para promover a transparência da informação, eles não eliminam a necessidade de haver um sistema oficial do governo brasileiro para o monitoramento da vegetação secundária que garanta consistência metodológica entre dados oficiais referentes à cobertura vegetal na Amazônia. 

Sem dados oficiais e sem monitoramento regular e frequente, o Brasil não tem como mensurar sua vegetação secundária e muito menos protegê-la. São lacunas graves considerando que o acompanhamento e a proteção dessas áreas são essenciais para que o país honre seus compromissos de redução de gases de efeito estufa e monitore o cumprimento de requisitos de compensação e restauro vegetal associados ao Código Florestal. 

O desenvolvimento de sistemas para o monitoramento da vegetação secundária carrega consigo alguns desafios técnicos, mas é absolutamente factível. O país tem acesso à capacidade técnica necessária para fazer frente a esses desafios e, mesmo sem os satélites do Musk, poderia colocar esses sistemas de pé de forma relativamente rápida e barata. O que falta é o apoio de políticos verdadeiramente comprometidos com o fortalecimento da proteção florestal na Amazônia.


 Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Doutora em Economia pela PUC-Rio e coordenadora de Avaliação de Política Pública para Conservação no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Sua pesquisa avalia efetividade e impacto de políticas públicas de proteção florestal.
E-mail: [email protected]

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