Sem monitoramento e fiscalização, não há conservação nem desenvolvimento sustentável. A inação por parte do poder público recompensa os que descumprem a lei, basta ver que a escalada no desmatamento coincide com a queda acentuada das sanções ambientais.

Que fique claro já na primeira frase: é impossível combater o desmatamento na Amazônia sem o compromisso do poder público com o enfrentamento da ilegalidade na região. Ainda que não seja novidade, a afirmação merece ser dita explicitamente em tempos de incessantes ataques à capacidade do país de aplicar sua lei ambiental. Ataques esses que incluem presidente da República vibrando com o enfraquecimento da fiscalização, empresário mandando incendiar helicópteros do Ibama, servidores públicos sendo institucionalmente impedidos de investigar e punir práticas ilícitas… A lista é longa e angustiante.

É incômodo para alguns pensar que uma estratégia robusta para conservação e desenvolvimento sustentável na Amazônia precise ter controle ambiental como base. Afinal, há tantos outros esforços além de monitoramento e aplicação da lei que visam combater o desmatamento, certo? Tais esforços de fato têm contribuições relevantes. Contudo, o controle ambiental efetivo é hoje o fator mais crítico para a proteção das nossas florestas. 

Para entender o porquê dessa afirmação, temos que começar lembrando que a maioria esmagadora do desmatamento que ocorre na Amazônia constitui prática ilegal. O MapBiomas Alerta estima que mais de 99% dos alertas de desmatamento emitidos no bioma em 2020 continham indícios de ilegalidade. Os números para 2021 não estão disponíveis, mas não há motivo para esperar nada diferente, dados os padrões historicamente observados na região. Em se tratando de uma atividade ilegal, há margem para atuação do poder público para fazer valer a lei.

Aqui entra o controle ambiental, que tem como pilares monitoramento e aplicação da lei. Na última coluna, apontei como o monitoramento por satélite trouxe escala e celeridade inéditas à detecção da perda florestal na Amazônia. Nesta, foco na aplicação da lei. 

O controle ambiental efetivo é hoje o fator mais crítico para a proteção das nossas florestas. 

De forma simplificada, o processo mais comum (mas não o único) para isso envolve a visita de fiscais ambientais em campo para investigar locais sob suspeita de desmatamento ilegal. Se constatada a infração e identificados os responsáveis, os fiscais aplicam sanções aos infratores. Multas, embargos, apreensão e destruição de maquinário são exemplos de sanções administrativas tipicamente associadas ao desmatamento, mas o dano à vegetação também pode ser punido nas esferas cível e criminal.

Ainda que os diferentes tipos de sanção carreguem diferenças, todos têm um objetivo essencialmente econômico: aumentar o custo de desmatar ilegalmente. A lógica é simples, uma conta de custo-benefício. Para decidir se desmata uma determinada área, um potencial infrator compara o que espera ganhar e perder com aquela decisão. 

O ganho esperado pode ser a comissão paga pelo mandante do desmatamento, a receita da venda de madeira nobre, o lucro anos depois com a venda da terra que foi grilada, enfim, qualquer benefício que se obtenha a partir daquele desmatamento. Já a perda esperada contempla as despesas incorridas para derrubar a floresta, mas principalmente o risco de ser pego, responsabilizado pela infração e punido. Quanto mais severa a punição, maior a perda esperada.

Parece óbvio e, de certa forma, é mesmo. Se pesar mais no bolso de quem desmata — seja em forma de pagamento de multa, restrições associadas a embargos, perda de maquinário, despesas com processos legais, fuga de investidores, o que for —, o desmatamento fica menos atrativo. O mesmo raciocínio vale substituindo “bolso” por “conta bancária” no caso de pessoas jurídicas. 

A nuance relevante nessa história é que ela diz respeito ao custo esperado. Cada uma dessas possíveis sanções vem associada a uma probabilidade na conta de custo-benefício. Se acredita que há baixa probabilidade de ser pego e punido, um potencial infrator pondera as sanções que pode sofrer com peso baixo em sua conta. No limite, a certeza da impunidade atribui peso nulo a qualquer sanção, desmatamento passa a ter risco zero de punição e, portanto, custo esperado zero. Assim, vale a pena desmatar.

Qualquer coisa que afete a percepção de risco de punição importa. Afirmações públicas de autoridades desmoralizando a fiscalização ambiental, o desmonte das capacidades institucionais para a aplicação da lei ambiental e a contínua tolerância para com a ilegalidade na Amazônia comunicam uma só coisa: impunidade garantida para quem descumpre a lei. A escalada da ilegalidade a partir daí é inevitável e costuma ser vertiginosamente rápida.

Posto isso, as trajetórias ilustradas abaixo tornam-se ainda mais alarmantes. Enquanto o desmatamento aumentou, despencaram as autuações e os embargos aplicados pelo Ibama na Amazônia. Essas não são as únicas métricas relevantes para acompanhar o controle ambiental, mas dizem muito. A inação por parte do poder público recompensa os que descumprem a lei e incentiva que mais o façam. A tendência é que o quadro se agrave cada vez mais.

Aumento da taxa de desmatamento e queda das sanções administrativas 

Notas: A série de autos de infração contempla apenas aqueles que podem ser diretamente associados ao desmatamento a partir das normas jurídicas infringidas que constam do auto de infração. Para detalhes, veja este resumo para política pública do CPI/PUC-Rio e WWF. Fonte: CPI/PUC-Rio com dados de Prodes/Inpe e Portal de Dados Abertos/Ibama. Credit: CPI/PUC-Rio com dados de Prodes/Inpe e Portal de Dados Abertos/Ibama. Credit: CPI/PUC-Rio com dados de Prodes/Inpe e Portal de Dados Abertos/Ibama.

O principal papel do controle ambiental é justamente evitar a ilegalidade. A punição é um meio para esse fim, uma forma de sinalizar à sociedade que o poder público age para fazer valer as regras e que não é vantajoso quebrá-las. Por isso, repito: o controle ambiental está na base de uma estratégia robusta para conservação e desenvolvimento sustentável. 

Garantir o cumprimento da lei é condição necessária tanto para combater a ilegalidade quanto para permitir que outras tantas medidas de proteção florestal possam prosperar. Afinal, sem a lei, como garantir a proteção territorial, a regularização fundiária, o fortalecimento de cadeias sustentáveis, o cumprimento de contratos e tantas coisas mais?

A inação por parte do poder público recompensa os que descumprem a lei e incentiva que mais o façam. A tendência é que o quadro se agrave cada vez mais.

O Brasil já sabe que monitoramento e fiscalização ambientais são efetivos e fundamentais para combater o desmatamento na Amazônia. Era assim há 20 anos, é assim ainda hoje. Torço e trabalho para que isso mude. 

Fortalecendo o cumprimento da lei na Amazônia, poderemos avançar para a discussão de um leque mais amplo de mecanismos de conservação. Mas não estamos nesse ponto e não chegaremos lá se não reconhecermos que a aplicação da lei é a base de todo o resto.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Doutora em Economia pela PUC-Rio e coordenadora de Avaliação de Política Pública para Conservação no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Sua pesquisa avalia efetividade e impacto de políticas públicas de proteção florestal.
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