Boa experiência na Amazônia mostra que monitoramento é imprescindível, mas Cerrado corre risco de apagão de dados. Ao renunciar aos benefícios que o monitoramento da vegetação oferece, o país vira as costas às suas responsabilidades sociais, ambientais e econômicas.

Os primeiros dias de 2022 assistiram a uma crescente mobilização da comunidade científica, da mídia e da sociedade civil quanto ao iminente apagão de dados sobre a cobertura vegetal no Cerrado brasileiro. Sem garantia de recursos para dar continuidade ao monitoramento remoto da vegetação no segundo maior bioma brasileiro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) terá que abandonar, em abril, os sistemas de monitoramento do Cerrado que mantém desde 2016. Os desdobramentos serão graves.

A experiência brasileira na Amazônia, cuja floresta é monitorada há mais de três décadas, é contundente: o monitoramento remoto da vegetação nativa é imprescindível para o desenvolvimento sustentável. Dados sobre cobertura vegetal desempenham papel central nas esferas social, ambiental e econômica.

Sistemas de monitoramento que geram dados públicos são instrumentos essenciais de transparência. Tão importante quanto medir o desmatamento anual na Amazônia a partir do final dos anos 80, foi o Brasil divulgar essa informação publicamente. Dar visibilidade à enorme perda florestal que ocorria no território nacional foi um passo decisivo em direção ao amplo reconhecimento da necessidade de combater o desmatamento da Floresta Amazônica. Nesse contexto, os dados serviram como um catalisador de mudança.

Desde então, a sofisticação do monitoramento remoto da vegetação e o desenvolvimento de sistemas complementares adicionaram ricas camadas de informação sobre a floresta. Seus dados fomentaram a produção científica nacional e internacional, orientaram esforços de proteção florestal e informaram e qualificaram o debate público. Permitiram, ainda, que a sociedade civil conhecesse melhor a Amazônia — e conhecimento é insumo necessário para que cidadãos possam responsabilizar o poder público pela conservação desse ativo nacional.

Além de crítico para assegurar a transparência da informação ante a sociedade, o monitoramento florestal é um instrumento-chave para a política pública de conservação. Há quase 20 anos, o Brasil foi pioneiro ao desenvolver um sistema de monitoramento remoto para fazer um levantamento rápido de perda florestal, o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (DETER). Usando imagens de satélite, o DETER passou a detectar desmatamento e degradação florestal recentes em toda a extensão da Amazônia brasileira. Ao identificar uma área de perda florestal, o sistema emite um alerta contendo a localização geográfica da ocorrência. Esses alertas indicam áreas que precisam de atenção imediata e servem para orientar ações de fiscalização (ver figura abaixo).

Infográfico mostra como o monitoramento por satélite e a fiscalização trabalham juntos para combater o desmatamento. Imagem: CPI/PUC-Rio, 2021

O uso do DETER como instrumento de apoio para órgãos de controle ambiental foi um divisor de águas. Com ele, a fiscalização não apenas passou a enxergar o que acontecia em toda a extensão da Floresta Amazônica, mas o fez com agilidade até então inédita. A velocidade de detecção da perda florestal é importante para potencializar o impacto das ações de controle ambiental, pois aumenta a probabilidade de que fiscais cheguem rapidamente a campo e, portanto, de que infratores sejam identificados, responsabilizados e efetivamente punidos. Juntos, monitoramento e controle ambiental foram fundamentais para reduzir o desmatamento na Amazônia a partir de 2004. 

É verdade que o monitoramento da vegetação não garante, por si só, a efetiva aplicação da lei ambiental, pois isso depende intrinsecamente da capacidade de resposta por parte da autoridade ambiental. No entanto, sistemas de monitoramento são indispensáveis para o desenho e a execução de uma estratégia robusta de política pública para a proteção florestal.

O monitoramento da vegetação é também necessário para viabilizar avaliações de desempenho ambiental tanto na esfera pública quanto na privada. Sem ele, o Brasil é incapaz de construir métricas e, portanto, de acompanhar resultados referentes ao cumprimento de seus compromissos internacionais e até de sua própria legislação ambiental, como o Código Florestal. O acompanhamento sistemático e transparente de seu desempenho ambiental fortalece a reputação brasileira e promove o protagonismo do país em âmbito internacional.

Em um cenário de crescente demanda global por produtos que respeitem normas ambientais, o monitoramento da vegetação apresenta-se como um forte aliado do setor privado, principalmente do agropecuário. A comprovação de cumprimento dessas normas pode ser uma potente vantagem competitiva, agregando valor ao produto nacional e assegurando acesso a mercados importantes. Ainda que o rastreamento ao longo de toda a cadeia produtiva não ocorra em escala no Brasil, sistemas de monitoramento florestal são imprescindíveis para avançar a rastreabilidade da agropecuária brasileira.

Renunciar aos benefícios que sistemas de monitoramento remoto de vegetação oferecem equivale a virar as costas à imensa capacidade técnica que o Brasil acumulou ao longo de décadas e, ainda mais grave, às responsabilidades sociais, ambientais e econômicas que o país tem para com seus cidadãos. Abandonar o monitoramento do Cerrado e ignorar o monitoramento da Amazônia são posturas irresponsáveis.

Sobre o autor

Doutora em Economia pela PUC-Rio e coordenadora de Avaliação de Política Pública para Conservação no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Sua pesquisa avalia efetividade e impacto de políticas públicas de proteção florestal.
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