A realidade amazônica é muita mais complexa do que quem está de fora imagina.

Costumo pautar minhas colunas por dados e evidências — e logo mais voltarei a eles. Mas esta coluna é diferente e começa com uma opinião pessoal, formada a partir de impressões que acumulei ao longo do tempo: as pessoas que estão fora da Amazônia costumam ter uma visão muito romântica da região. 

Nessa visão, predomina a imagem de uma floresta magnífica e exuberante, uma imensidão remota e, de certa forma, surreal. Ainda que a floresta seja mesmo magnífica, ela não representa a totalidade da Amazônia.

Vale deixar claro que, antes de começar a minha agenda de pesquisa para a Amazônia, eu também tinha uma visão romântica de lá. Não conhecia a complexidade da região que ocupa quase metade do território brasileiro, não tinha noção dos imensos desafios sociais e econômicos que ela enfrenta e, ainda, nem poderia imaginar que o que acontece na Amazônia afeta quem está muito longe de lá.

Foi por isso que, quando convidada a usar o espaço desta coluna para escrever sobre o que os leitores de fora poderiam fazer pela Amazônia, não tive dúvidas sobre o caminho para o qual apontaria. Precisamos nos desprender de visões românticas e irreais para construir uma compreensão realista e moderna da região. Essa é a condição necessária para nos aproximarmos da Amazônia como ela é e, assim, agirmos em seu benefício. 

É impossível sintetizar essa compreensão em uma só coluna, mas faço aqui um sobrevoo de alguns tópicos particularmente relevantes e que dão uma ideia do grau de complexidade envolvido. Aos que quiserem se aprofundar, vale conhecer o trabalho do Projeto Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para elaborar uma agenda de desenvolvimento sustentável para a região.

A Amazônia Brasileira é enorme e diversa. São mais de 4 milhões de quilômetros quadrados abrigando florestas relativamente preservadas, florestas sob risco, áreas desmatadas e centros urbanos. Cada uma dessas categorias tem necessidades distintas, mas oferece também oportunidades distintas.

Há 28 milhões de pessoas vivendo na região, quase três quartos delas em cidades. Com uma população predominantemente urbana, grande parte dos desafios sociais que a Amazônia enfrenta diz respeito à qualidade de vida nessas cidades. Os dados apontam para uma enorme defasagem dos centros urbanos amazônicos em relação àqueles encontrados no resto do país. O acesso à rede de esgoto oferece um exemplo contundente: apenas 15% da população amazônica é atendida por esgoto público, enquanto, fora de lá, esse número salta para 60%. Essa defasagem está presente, em maior ou menor grau, em diversos indicadores sociais, inclusive naqueles referentes à saúde, à educação e ao mercado de trabalho

A situação é particularmente crítica para os jovens. Apesar de a Amazônia, em teoria, ainda poder se beneficiar do chamado “bônus demográfico”, pois sua população é predominantemente jovem, os mais novos enfrentam um cenário de profundo desalento no mercado de trabalho. As taxas de participação da faixa entre 18 e 29 anos nesse mercado são significativamente mais baixas na Amazônia do que no resto do país. 

Então, sem acesso à educação de qualidade e sem boas oportunidades de emprego, em vez de serem uma fonte de geração de renda e de desenvolvimento socioeconômico para a região, os jovens viram alvo fácil da cooptação para atividades ilegais e criminosas.

Esse é, aliás, um dos principais e mais duros desafios enfrentados pela Amazônia. Com a ilegalidade profundamente enraizada na região, a falta de oportunidades econômicas e a persistente ausência do Estado criaram um ambiente propício para a explosão da violência. Há menos de 20 anos, a Amazônia era relativamente mais segura do que o resto do Brasil. Hoje, a região detém 23 dos 100 municípios mais violentos do país.

Queimada sobre área desmatada em área de floresta pública não destinada em Porto Velho, Rondônia. Credit: Christian Braga / Greenpeace Credit: Christian Braga / Greenpeace

A espiral de crime e violência na Amazônia está intrinsecamente relacionada à extração ilegal de recursos naturais, como madeira e ouro, e à grilagem de terras públicas. A proteção da Floresta Amazônica é sinônimo, portanto, de combate à ilegalidade. 

É também uma condição necessária para romper com um modelo de desenvolvimento que foi profundamente nocivo para a região. Ancorado na destruição da floresta, esse modelo não trouxe riqueza para a Amazônia e tampouco qualidade de vida para os amazônidas. 

Desmatamento não é pré-requisito para produção na Amazônia. As áreas que já foram abertas estão subutilizadas e podem acomodar tanto a produção agropecuária na região quanto novas oportunidades econômicas, como produtos da floresta e restauro florestal. Esses novos mercados têm, ainda, potencial para promover a geração de emprego e renda na região.

O uso das áreas abertas deve ser otimizado, mas a floresta que está preservada deve continuar em pé. Ela é fundamental para assegurar a conservação da biodiversidade e proteção dos meios de vida de comunidades locais, além de ser peça-chave na regulação de ciclos hídricos e na luta contra os eventos climáticos extremos. A Floresta Amazônica presta um serviço para o país e para o mundo e há cada vez mais recursos disponíveis para se pagar por isso. 

A proteção da floresta exige, contudo, compromisso inabalável com o desmatamento zero e com o ordenamento fundiário, assim como com a instalação e a permanência do poder público na Amazônia verdadeiramente a serviço dos amazônidas.

A Amazônia não é simples. Sua realidade é complexa, multidimensional e, por vezes, contraintuitiva. A colaboração entre o poder público e o setor privado é essencial para promover o desenvolvimento socioeconômico sustentável da região, mas o engajamento amplo da sociedade civil é um mecanismo disciplinador crítico dessa relação. Uma compreensão realista sobre a Amazônia é o ponto de partida para podermos acompanhar e moldar essa colaboração.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.


Este texto faz parte de uma série de artigos com o tema “O que eu posso fazer pela Amazônia?”. Leia também o que dizem os outros colunistas do PlenaMata sobre o assunto:

Sobre o autor

Doutora em Economia pela PUC-Rio e coordenadora de Avaliação de Política Pública para Conservação no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Sua pesquisa avalia efetividade e impacto de políticas públicas de proteção florestal.
E-mail: [email protected]