O desmatamento não é um desafio sem solução e certamente não é um problema desconhecido. O Brasil sabe o que precisa fazer para reverter o trágico cenário atual.

O pior resultado dos últimos 15 anos. Essa é a dimensão do retrocesso que representa a estimativa do INPE para a taxa de desmatamento na Amazônia em 2021 — acachapantes 13.235 km2. Ainda que não seja surpreendente à luz do atual e gravíssimo desmonte dos esforços de proteção florestal, o número é estarrecedor. É também absolutamente injustificável e inaceitável. 

Isso porque o Brasil sabe muito bem como combater o desmatamento na Amazônia. Ao longo das últimas duas décadas, o país acumulou vasta experiência no uso de instrumentos de política pública para o controle do desmatamento tropical, inclusive inovando em várias frentes. A academia, por sua vez, já avaliou muitos desses instrumentos e produziu um robusto conjunto de evidências empíricas sobre sua efetividade e seus impactos. 

No início dos anos 2000, quando registrava taxa média de desmatamento na Amazônia superior a 22.000 km² por ano, o Brasil era o país que mais desmatava floresta tropical tanto em termos absolutos quanto relativos. Sob pressões internas e externas cada vez mais fortes para controlar suas altas taxas de perda florestal, o país concebeu o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). 

O PPCDAm inaugurou uma nova abordagem para lidar com o desmatamento na Amazônia. Foi pioneiro não apenas em conteúdo, ao introduzir instrumentos inovadores de política pública, mas também em forma, ao considerar o combate ao desmatamento como uma responsabilidade interministerial e não apenas do Ministério do Meio Ambiente.

Lançado em 2004 pelo governo federal, o plano propôs um conjunto de medidas estratégicas para combater o desmatamento e promover um modelo de desenvolvimento sustentável regional. O PPCDAm inaugurou uma nova abordagem para lidar com o desmatamento na Amazônia. Foi pioneiro não apenas em conteúdo, ao introduzir instrumentos inovadores de política pública, mas também em forma, ao considerar o combate ao desmatamento como uma responsabilidade interministerial e não apenas do Ministério do Meio Ambiente. 

Ao longo da primeira década do PPCDAm, a taxa de desmatamento na Amazônia Legal caiu de 27.800 km² em 2004 para 4.600 km² em 2012, uma redução de 80% (veja abaixo). Avaliações acadêmicas mostram que políticas públicas implementadas no âmbito do plano de ação contribuíram de forma expressiva para essa queda. Para um resumo da evidência disponível sobre os efeitos das principais políticas, veja esta plataforma do Climate Policy Initiative/PUC-Rio.

Os resultados empíricos reforçam a importância de esforços de política pública estratégicos e coordenados, um ponto-chave do PPCDAm. Alguns esforços foram particularmente importantes. O uso pioneiro de tecnologia de monitoramento por satélite para detectar rapidamente a perda florestal e focalizar ações de fiscalização aumentou a probabilidade de que o desmatamento ilegal fosse punido e, assim, ajudou a inibir práticas ilícitas. 

Além disso, áreas críticas foram sujeitas a ação diferencial para controle do desmatamento e houve vinculação da concessão de crédito rural subsidiado ao cumprimento de requisitos ambientais e de titulação de terras. A proteção territorial também passou a ser usada como uma barreira para o avanço do desmatamento em zonas de alto risco.

A efetividade das políticas públicas depende, contudo, do contexto político no qual são implementadas. Ainda que os esforços desenvolvidos no âmbito do PPCDAm tenham ajudado a frear o desmatamento na Amazônia brasileira, a taxa de perda florestal voltou a acelerar a partir de 2012. Isso ocorreu em meio a um cenário de crise econômica no país, deterioração de compromissos com a legislação ambiental brasileira e mudanças na estrutura de governança do plano de ação. Desde o encerramento da quarta fase do PPCDAm, que cobriu o período 2016 a 2020, não foi concebida uma nova fase para dar continuidade ao plano.

A experiência brasileira mostra que o país tem plena capacidade de desenvolver e implementar uma agenda de política pública para proteção da Amazônia que seja estratégica e efetiva. O PPCDAm não era perfeito, mas foi bem-sucedido em muitos aspectos e suas falhas apontam caminhos para fortalecer a proteção florestal. O desmatamento na Amazônia não é um desafio sem solução e certamente não é um problema desconhecido. O Brasil deve e, mais que isso, pode agir imediatamente para combater o desmatamento. Não há nada que justifique o contrário.


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Sobre o autor

Doutora em Economia pela PUC-Rio e coordenadora de Avaliação de Política Pública para Conservação no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Sua pesquisa avalia efetividade e impacto de políticas públicas de proteção florestal.
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