O desmatamento não é um mal necessário ao desenvolvimento da Amazônia. Pelo contrário, a destruição da floresta está associada a práticas produtivas defasadas e a um ambiente econômico desfavorável.

A Amazônia não escapou do tsunami de desinformação que assola o país. Entre os muitos absurdos falados sobre o desmatamento, há um particularmente perigoso, pois chega disfarçado de preocupação: a destruição da floresta é necessária para desenvolver a região. Trata-se de uma afirmação retrógrada e descolada do conhecimento técnico moderno. Para combater a desinformação, vamos aos fatos. 

É urgente a necessidade de promover o desenvolvimento socioeconômico da Amazônia, mas a evidência mostra que desmatar não é solução. O tema é amplo, então focaremos em dois aspectos centrais: 1) aumentar a produção agropecuária não exige avançar sobre a floresta e 2) um padrão de desenvolvimento ancorado no desmatamento não criou boas condições de emprego e renda na região.

O primeiro aspecto considera exclusivamente para o setor agropecuário. Pesquisadores do CPI/PUC-Rio apontam para uma importante mudança na associação entre o aumento da produção de alimentos e a abertura de novas áreas (gráficos abaixo). Entre 1961 e 2016, o valor da produção agropecuária mundial esteve em franca expansão. Até o início dos anos 2000, isso se deu por meio de ganhos de produtividade (produzir mais em áreas já abertas) e da incorporação de novas áreas produtivas. Desde então, observa-se uma tendência de redução dessa área total, mas os ganhos de produtividade continuam impulsionando o aumento no valor da produção agropecuária mundial.

Produção agropecuária mundial, 1961-2016

Painel A: Valor da produção

Painel B: Produtividade da terra e área destinada à produção

Notas: Valores a preços de 2004-2006 e inflação ajustada pela Organização para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas. Fonte: CPI/PUC-Rio com dados de FAOSTAT, 2020.

Focando na produção pecuária, os pesquisadores identificam padrões semelhantes no território brasileiro, com ganhos de produtividade e redução na área de pasto a partir de 1995. A Região Norte, que abriga a maior parte da Amazônia, é a exceção por registrar um aumento na extensão do pasto. Com vasta disponibilidade de áreas desmatadas e subutilizadas, a Amazônia deveria aumentar sua produção agropecuária através de ganhos de produtividade em áreas já abertas e não abrindo novas. O resto do país e do mundo mostra que isso é possível.

A própria experiência da Amazônia reforça que não é preciso desmatar para produzir mais. Um relatório do Projeto Amazônia 2030 documenta aumento de mais de 50% no PIB real do setor agropecuário na região no período em que o desmatamento despencou mais de 80% (abaixo). A redução do desmatamento não impede, portanto, o crescimento da produção agropecuária. 

Taxa de desmatamento e PIB do setor agropecuário, 2002-2012

Notas: PIB referente ao total do valor adicionado bruto a preços correntes da agropecuária para todos os municípios da Amazônia Legal. Os valores do PIB estão desinflacionados e apresentados em termos de R$ de 2018. Fonte: CPI/PUC-Rio com dados de PRODES/INPE e Produto Interno Bruto Municipal/IBGE, 2021.

O segundo aspecto considera fatores relevantes para o crescimento econômico que não estão necessariamente ligados ao setor agropecuário. Afinal, será que um padrão de desenvolvimento regional que tolerou e até incentivou o desmatamento proporcionou boas oportunidades econômicas para a população da Amazônia? Pesquisadores do Departamento de Economia da PUC-Rio abordam essa questão em uma análise do mercado de trabalho da Amazônia e uma série de estudos sobre o dinamismo de emprego e renda com foco nos temas agropecuária, setor público, serviços e ocupações qualificadas.

Os resultados revelam condições precárias de emprego e renda, além de expressivas defasagens do mercado de trabalho da Amazônia em relação ao restante do país. Há enorme fragilidade dos vínculos trabalhistas na região, com quase 60% da população ocupada no setor informal. O cenário é particularmente grave para os jovens (até 30 anos). Comparada às demais regiões, há menos jovens participando do mercado de trabalho e mais jovens que não trabalham nem estudam na Amazônia. Um mercado de trabalho hostil aos jovens hoje restringe o potencial para crescimento econômico e desenvolvimento social futuros.

O rendimento médio do trabalho na Amazônia é ainda cerca de 40% inferior à média do restante do país. O governo figura como fonte crucial de renda na região.

O rendimento médio do trabalho na Amazônia é ainda cerca de 40% inferior à média do restante do país. O governo figura como fonte crucial de renda na região, respondendo por um terço da renda das famílias, seja na forma de programas sociais e auxílios para os mais pobres, seja como empregos públicos para os mais ricos. Isso aponta para a dificuldade de inserção da Amazônia em mercados formais e suscita questionamentos relevantes sobre a capacidade de o governo sustentar essa dinâmica de emprego no longo prazo. 

Os estudos indicam que, entre 2012 e 2020, cresceu o emprego no setor de serviços, sugerindo que o dinamismo econômico na região se concentra em atividades urbanas. No entanto, houve queda nas ocupações que exigem maior qualificação, principalmente entre trabalhadores jovens. O desmatamento não beneficiou sequer o emprego no setor agropecuário, que caiu mais de 15 pontos percentuais durante o período, apesar da retomada e da aceleração da perda florestal.

A evidência revela que o desmatamento não está associado a ganhos produtivos e tampouco a condições favoráveis de emprego e renda. Somam-se a isso os diversos benefícios que a proteção da floresta traz (discutidos neste relatório e resumidos na minha coluna anterior) e cai por terra a desculpa que desmatamento é condição necessária para desenvolvimento socioeconômico da Amazônia.


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Sobre o autor

Doutora em Economia pela PUC-Rio e coordenadora de Avaliação de Política Pública para Conservação no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Sua pesquisa avalia efetividade e impacto de políticas públicas de proteção florestal.
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