A degradação já está afetando uma área maior do que a do desmatamento: quando considerados todos os seus drivers e as possíveis sobreposições entre eles, a estimativa da área total degradada aumenta para 2,5 milhões de km², ou seja, 38% da Floresta Amazônica remanescente.

A Amazônia é um componente crítico do clima da Terra. Por isso, o Brasil e o planeta estão lutando para reduzir o desmatamento tropical, mas temos outro inimigo oculto: a degradação florestal, que é causada por duas questões diferentes:

  1. O enfraquecimento do ecossistema devido ao desmatamento e a atividades socioeconômicas que causam danos à saúde da floresta;
  2. O aumento da temperatura global e a redução da precipitação na região amazônica. Dois trabalhos recentes na revista Science discutem esses aspectos (Lapola et al., Science 379 e Albert et al., Science 379).

Entre esses danos florestais, se destacam os efeitos de borda (devido ao desmatamento e consequente fragmentação do habitat), exploração madeireira, abertura de estradas, impacto de incêndios, entre outros. A análise dos dados sobre a extensão do fogo, efeitos de borda e extração de madeira entre 2001 e 2018 revela que 0,36 milhões de km² (5,5%) da Floresta Amazônica está sob algum tipo de degradação, correspondendo a 112% da área total desmatada naquele período.

A degradação já está afetando uma área maior do que o desmatamento e a perda de carbono estimada desses distúrbios florestais é comparável à perda de carbono do desmatamento. A mortalidade contínua de árvores após a perturbação significa que as florestas podem continuar a emitir mais carbono por décadas após a perturbação. Os distúrbios podem trazer tanta perda de biodiversidade quanto o próprio desmatamento, e as florestas degradadas pelo fogo e pela extração de madeira podem ter uma redução de até 34% na evapotranspiração da estação seca. A perda de biodiversidade e o funcionamento dos ecossistemas são outros aspectos relevantes da degradação florestal.

A degradação já está afetando uma área maior do que o desmatamento e a perda de carbono estimada desses distúrbios florestais é comparável à perda de carbono do desmatamento.

Paulo Artaxo

A escala do impacto da degradação florestal quando considerados todos os drivers e as possíveis sobreposições entre eles, a estimativa da área total degradada aumenta para 2,5 milhões de km², ou seja, 38% da Floresta Amazônica remanescente. O Brasil certamente precisa olhar mais de perto a degradação florestal.

O segundo componente da degradação florestal é o impacto das mudanças climáticas globais na Amazônia. Em grandes áreas da floresta, os aumentos médios de temperatura já chegam a 2°Celsius, o que é o dobro do aumento médio global. E a precipitação em algumas regiões já apresenta reduções significativas. Os extremos climáticos, como extensas secas e inundações, estão aumentando.

Na Amazônia, a retroalimentação floresta-chuva é necessária para manter a cobertura florestal atual. Cerca de metade da precipitação na Amazônia é reciclada a partir da evapotranspiração, e a cobertura florestal amazônica protege o ecossistema contra variações nas chuvas e incêndios. Porções do sul e leste da Amazônia estão mudando para um regime dominado por distúrbios. Isso é importante para uma floresta tropical que se estabeleceu sob um clima bastante estável durante o Holoceno.

Julia Lima / PlenaMata
Ilustração de Julia Lima, com dados de MapBiomas e Luciana Gatti (Inpe)

Em termos de futuro, as projeções do último relatório do IPCC mostram que, no ritmo atual, as temperaturas médias globais podem aumentar em 3°Celsius, o que pode trazer uma Amazônia mais quente em cerca de 4 a 4,5°Celsius. Essa é uma grande mudança climática no ecossistema que já está em andamento. Documentos recentes mostram que partes da Amazônia estão perdendo carbono para a atmosfera, indicando que algumas regiões já passaram pela transição, com a respiração da floresta e as queimadas superando a fotossíntese da floresta. Devemos acabar globalmente com o uso de combustíveis fósseis para evitar tais cenários.

Mesmo que o Brasil cumpra seu compromisso do Acordo de Paris (desmatamento zero até 2030), a degradação florestal continuará sendo uma fonte dominante de emissões de carbono, independentemente das taxas de desmatamento. Prevenir mais desmatamento continua sendo crucial para estabilizar o sistema climático, preservar a biodiversidade e garantir o desenvolvimento sustentável.

Aliás, o desmatamento é o principal impulsionador das emissões de gases de efeito estufa e da perda de biodiversidade, mas também um impulsionador de várias formas de degradação florestal. A integridade da Amazônia depende da manutenção de cobertura florestal suficiente. Prevenir a degradação adicional também se beneficiará das condições necessárias para conter o desmatamento, como o fortalecimento da posse da terra, a concessão de crédito ambiental, o fornecimento de renda sustentável e de alternativas de subsistência que possam atenuar as desigualdades sociais.

Prevenir a degradação adicional também se beneficiará das condições necessárias para conter o desmatamento, como o fortalecimento da posse da terra, a concessão de crédito ambiental, o fornecimento de renda sustentável e de alternativas de subsistência que possam atenuar as desigualdades sociais.

Paulo Artaxo

A mensagem central é que as atividades humanas estão degradando rapidamente os ambientes amazônicos, representando uma ameaça às vastas reservas de biodiversidade da região e aos serviços ecossistêmicos críticos em escala global. Para lidar efetivamente com essa degradação, as políticas devem integrar esforços para combater o desmatamento e incluir medidas inovadoras voltadas para os vários distúrbios que contribuem para o problema. Atingir esse objetivo exigirá o envolvimento de uma ampla gama de atores envolvidos na causa da degradação, implementando um monitoramento eficaz de diferentes distúrbios e refinando as estruturas políticas.

Estes esforços serão reforçados por avanços rápidos e multidisciplinares em nossa compreensão dos fatores socioambientais que impulsionam a degradação das florestas tropicais. Também precisamos eliminar globalmente as emissões de combustíveis fósseis. Em última análise, esse conhecimento fornecerá uma base sólida para o desenvolvimento de políticas e programas eficazes para conter a degradação dos ambientes amazônicos.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.


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Sobre o autor

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS), e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

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