Brasil já produziu 25% de todo o cacau do planeta; hoje, responde por 5%. O caminho escolhido vai envolver trabalho, investimento e tomada de algum risco por parte dos diferentes interessados.

Em dezembro de 1973, três meses antes de tomar posse como Presidente da República, o sisudo Ernesto Geisel terminou uma visita por Ilhéus e Itabuna maravilhado com o que viu: “feliz do Brasil se tivesse 20 ou 30 CEPLACs!”. Mais do que uma exclamação vazia, o governo Geisel pôs essa visão em prática. Como explicou Alysson Paolinelli, o seu Ministério da Agricultura usou a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC) como “inspiração e parâmetro” para criar a EMBRAPA, até hoje uma das burocracias públicas mais respeitadas no país.

A CEPLAC é um órgão federal criado pelo governo Juscelino Kubitschek, em 1957, para renegociar as dívidas dos produtores de cacau. Ao longo das décadas seguintes, ela ampliou seu escopo de atuação até se tornar uma verdadeira agência de desenvolvimento para o setor. Seu sucesso foi retumbante. Durante seu auge em 1983, o Brasil produziu cerca de 370 mil toneladas de cacau, equivalente a 25% de toda produção mundial. Naquele ano, o país foi o segundo maior produtor do mundo, 80% de seu cacau tinha qualidade superior e a grande maioria era destinada à exportação.

Hoje a situação é bem diferente. Em 2020, o Brasil caiu para a sétima posição no ranking de produtores de cacau, atrás da Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Indonésia, Equador e Camarões. Atualmente, produtores brasileiros colhem cerca de 270 mil toneladas por ano, equivalente a apenas 5% da produção mundial. A grande maioria desse cacau tem baixa qualidade e 99,8% dele é vendido no mercado doméstico. Ainda assim, a produção nacional é insuficiente para abastecer a indústria instalada no país. Desde 1997, as três maiores fábricas de moagem atuantes no Brasil importam uma média de 50 mil toneladas de cacau por ano, especialmente de Costa do Marfim e Gana, para então reexportar os produtos já processados.

A CEPLAC também declinou. Em 1980, ela tinha orçamento anual de US$ 73 milhões, possuía mais de cem prédios próprios, empregava 4.500 funcionários, e baseava sua atuação no tripé pesquisa, extensão rural e treinamento. Orgulhosos da instituição, seus servidores se identificavam como ceplaqueanos. Hoje, ela emprega menos de 1.000 pessoas e praticamente todos já passaram da idade de se aposentar. O seu orçamento caiu para menos de US$ 3 milhões, muitos de seus prédios estão abandonados ou foram cedidos para outros usos, e a CEPLAC parou de oferecer treinamento e extensão rural para se equilibrar num pé só.

Por que o Brasil perdeu sua liderança nesse setor e como pode recuperá-la?

Essas perguntas são importantes pois o cacau é uma planta nativa da Amazônia e sua produção pode trazer benefícios econômicos, sociais e ambientais para a região. Através de minha pesquisa, aprendi que o declínio foi causado em grande parte pela chegada de um fungo na Bahia – vassoura de bruxa – no final dos anos 1980. Ele derrubou a produtividade daquele estado e também a produção nacional. Por sua vez, a escassez de cacau no mercado doméstico ativou forças econômicas que aprisionaram o setor num equilíbrio indesejado que perdura até hoje.

Por que o Brasil perdeu sua liderança nesse setor e como pode recuperá-la? Essas perguntas são importantes pois o cacau é uma planta nativa da Amazônia e sua produção pode trazer benefícios econômicos, sociais e ambientais para a região.

Salo Coslovsky, professor da Universidade de Nova York (NYU)

Esse equilíbrio é mantido por três forças. Primeiro, a escassez de cacau fez com que o preço do cacau subisse e assim o produtor brasileiro passou a ganhar mais dinheiro vendendo mais no mercado interno do que na exportação. Segundo, ficou financeiramente mais vantajoso produzir amêndoas de baixa qualidade do que cacau bem limpo, consistente e saboroso. E terceiro, a queda na produtividade fez com que subissem os custos unitários de produção. Mesmo ganhando relativamente bem, a maioria dos produtores não têm lucro suficiente para manter ou expandir sua produção.

Toda pesquisa tem um elemento de surpresa. Nesse caso, iniciei minha investigação sobre o cacau achando que ia encontrar um obstáculo central que, uma vez removido, retornaria o setor à glória que teve no passado. Ao invés disso, encontrei um nó daqueles bem enroscados, onde cada trama segura todas as outras no lugar.

Nesse caso, a melhor (talvez única) forma de desembaraçar o nó é ajudando os produtores mais comprometidos a percorrer o mesmo caminho que levou o setor ao ocaso, mas em direção contrária. Na prática, isso significa promover o aumento da produtividade. Boa parte do conhecimento técnico necessário já existe. Segundo o IBGE, a produtividade média na Bahia é de 325 quilos de amêndoas secas de cacau por hectare e no Pará são 976 quilos por hectare (esses números são diferentes pois os métodos de produção na Mata Atlântica e na Amazônia são diferentes). Em ambos os estados, porém, há quem produza 3.000 quilos por hectare. Alguns especialistas dizem que é possível passar dos 7.000 quilos por hectare.

A melhor (talvez única) forma de desembaraçar o nó é ajudando os produtores mais comprometidos a percorrer o mesmo caminho que levou o setor ao ocaso, mas em direção contrária. Na prática, isso significa promover o aumento da produtividade.

Salo Coslovsky, professor da Universidade de Nova York (NYU)

O aumento da produtividade deve diminuir o preço unitário de cacau no mercado nacional. Quando isso ocorrer, muitos produtores irão chiar e pedir algum tipo de subsídio ou controle de preços. O desafio dos governantes é resistir a essa tentação pois esse tipo de resposta só reforça o equilíbrio existente.

Ao invés de oferecer subsídio ou controle de preços, os órgãos públicos devem apoiar os produtores interessados em aprimorar sua produção. O formato exato desse apoio precisa ser negociado entre os agentes, incluindo não só diferentes instituições públicas como também os produtores, as empresas que processam o cacau e os fabricantes de chocolate. O caminho escolhido vai envolver trabalho, investimento e tomada de algum risco por parte dos diferentes interessados. Ainda assim, a promessa é de ganhos expressivos e generalizados. Já perdemos 40 anos, seria uma pena perder outros mais.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Salo é professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas relacionadas à administração pública e desenvolvimento econômico. Formado em Administração Pública pela FGV, com mestrado em Direito e Diplomacia pela Fletcher School da Tufts University (EUA) e doutorado em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde março de 2020, é pesquisador associado do projeto Amazônia 2030.

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