Há necessidade de um melhor compartilhamento das técnicas e práticas para ampliar a produção sem perder o foco na sustentabilidade.

Na bioeconomia, como em toda atividade com fins lucrativos, a produtividade é a alma do negócio: um índice técnico que reflete a eficiência com que uma empresa converte seus insumos em produtos. Quanto maior a produtividade, maiores são as chances de sucesso no mercado.

A produtividade agrícola e agroflorestal muda bastante de empresa para empresa, mesmo quando as variáveis mais visíveis permanecem constantes. Por exemplo, em 2021, o IBGE estimou que cacauicultores da Bahia produziam uma média de 325 quilos por hectare. Há diversos produtores naquele estado, porém, que obtém 1,500 quilos por hectare, um valor sete vezes maior. Ivan Costa, respeitado especialista no setor, me disse que um produtor já alcança 3,500 quilos por hectare e Ivan está confiante que dá para chegar em 500 arrobas, equivalente a 7,500 quilos por hectare.

Na Amazônia, o cacau é produzido no sistema pleno sol, mais propício para restaurar áreas já abertas e degradadas e portanto diferente daquele adotado na Bahia, onde o cacau é produzido no sistema cabruca, próprio da Mata Atlântica remanescente. No entanto, a variação na produtividade rural é igualmente alta. Segundo o IBGE, em 2021, os cacauicultores do Pará obtiveram média de 976 quilos por hectare. Em contraste, alguns produtores mais eficientes já obtêm entre 3,000 ou 3,500 quilos por hectare, um valor de três a quatro vezes mais elevado. Há quem diga que dá para produzir mais de 5,000 quilos por hectare.

É verdade que elevar a produtividade exige investimento e acarreta maiores custos de produção. Ainda assim, uma análise de viabilidade econômica elaborada pelo Cocoa Action e seus parceiros indica que investimento compensa e ainda sobra.

Esses números sugerem que o conhecimento necessário para aumentar a produtividade agrícola e agroflorestal já existe, o problema é que ele está mal distribuído. A disseminação desse conhecimento costuma ser feita através da assistência técnica e extensão rural. A ATER, como esses serviços são chamados, envolve uma mistura de explicações em sala de aula, campanhas de divulgação, demonstrações em campo, treinamento prático e consultoria personalizada.

O conhecimento necessário para aumentar a produtividade agrícola e agroflorestal já existe, o problema é que ele está mal distribuído.

Salo Coslovsky, professor da Universidade de Nova York (NYU)

Na Amazônia, projetos-piloto comprovam que a ATER é um excelente investimento. Um projeto conduzido no Pará pela ONG Solidaridad, por exemplo, revela que um produtor com 50 hectares ganha entre R$4,00 e R$9,00 adicionais para cada R$1,00 investido em ATER.

Apesar dessa excelente taxa de retorno, a disponibilidade de ATER na Amazônia Legal é surpreendentemente limitada. Segundo o mais recente Censo Agropecuário do IBGE, em 2017, apenas 10% dos produtores daquela região receberam alguma orientação técnica (contra 20% na média do Brasil). Quando focamos nas propriedades menores, com até 50 hectares, o número cai para 7% (contra 14% das propriedades maiores).

Se a ATER é um investimento tão vantajoso, porque ela é tão rara? Os motivos são múltiplos e complementares.

Primeiro, custa caro atender um grande número de produtores, especialmente quando eles estão tão espalhados como ocorre na Amazônia. Segundo, o custo de cada visita é fixo, mas produtores de pequeno porte têm menos margem para aumentar suas receitas. Terceiro, muitos produtores preferem aprender de graça com vizinhos e colegas, enquanto outros hesitam em pagar por um serviço sem ter certeza do resultado. Reforçando esse receio, a ATER só dá bom retorno quando os produtores têm acesso a recursos complementares e, então, seu ceticismo é justificado.

Nilmar Lage / Greenpeace
Produção de Cacau no Rio Manicoré, no Amazonas

Do lado do governo, pequenos produtores não costumam ter força política suficiente para brigar por orçamento. Ainda mais, é difícil medir a efetividade da ATER. Então, os lideres da organização acabam medindo o esforço desprendido (por exemplo, propriedades atendidas) ao invés de medir seus resultados (como aumento na produtividade). Sem boas métricas, porém, fica difícil oferecer um serviço de qualidade. De forma adicional, muitos líderes políticos sobrecarregam seus extensionistas com outras tarefas, incluindo atividades legítimas (como coletar estatísticas ou ajudar o produto a obter crédito rural) e outras ilegítimas (como angariar votos para reeleição). Como essas tarefas adicionais são mais fáceis de medir e de executar, elas acabam ganhando prioridade.

Esses obstáculos ajudam a explicar porque a ATER costuma dar melhores resultados quando o serviço é oferecido por ONGs ou quando é exigido e financiado por órgãos multilaterais, mas perde seu vigor quando retorna para a gestão pública.

Apesar dessas dificuldades, há motivos para otimismo. Hoje em dia, praticamente todos os produtores rurais, independente do tamanho de sua propriedade, possuem telefone celular e podem usar seu aparelho para interagir com outros produtores e extensionistas através de grupos de WhatsApp, mesmo que conectem com a internet apenas quando visitam uma cidade. Atualmente, esses grupos são relativamente raros e operam em bases simples, quase anárquicas. Com visão de futuro, um dos produtores rurais que conheço sonha em criar uma plataforma inspirada no Reddit e Stack Overflow, dois websites que organizam suas discussões e dão destaque para contribuições de maior qualidade. Se for bem desenhada, essa plataforma pode incorporar ferramentas como ChatGPT, reconhecimento de imagens e sintetizador de voz, que permitem automatizar interações a um custo relativamente baixo.

Uma ATER inovadora para a bioeconomia poderia se inspirar também em novos modelos de organização burocrática, como aqueles observados nas escolas da Finlândia. De forma brilhante, essas organizações dão grande margem de manobra para seus agentes de campo e assim permitem a provisão de serviços individualizados. Ao mesmo tempo, elas monitoram a performance desses agentes através de um sistema de revisão por pares. Além de manter os agentes nos eixos, essa supervisão permite que os profissionais mais inovadores disseminem seu aprendizado para os colegas. Desse modo, a organização aprimora sua efetividade de forma continuada.

Outra possibilidade é fortalecer as pequenas empresas privadas e cooperativas que já prestam serviços de ATER na região. Elas costumam ser pequenas, com até três ou quatro funcionários, mas como os clientes ganham dinheiro, o seu potencial de crescimento é enorme. Outra possibilidade é usar as entidades de ATER como condutor para o financiamento da pesquisa, assim se alinham melhor os incentivos que unem essas duas atividades.

Juntas, essas inovações podem embasar um modelo de ATER mais eficiente e efetivo, bem adaptado para a realidade da Amazônia e com plena capacidade para impulsionar uma economia vibrante, sustentável e de base florestal.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Salo é professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas relacionadas à administração pública e desenvolvimento econômico. Formado em Administração Pública pela FGV, com mestrado em Direito e Diplomacia pela Fletcher School da Tufts University (EUA) e doutorado em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde março de 2020, é pesquisador associado do projeto Amazônia 2030.

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