Documento ‘vago’ foi divulgado para tratar da questão das ‘perdas e danos’, sem definição da governança e estrutura do Fundo, além de deixar participação de países como voluntária.

A COP27 foi estendida por mais dois dias além do previsto para a finalização da resolução final e aprovação por consenso. Depois de mais de 20 anos de negociações, finalmente a conferência apresenta uma fraquíssima resolução sobre a questão financeira das “perdas e danos”, que trata do pagamento pelos países ricos aos países pobres e vulneráveis pelos prejuízos da emergência climática.

Os países-membros não tomaram resolução alguma sobre o necessário término do uso de combustíveis fósseis. Não houve qualquer decisão sobre as metas insuficientes de reduções de emissões dos países dentro do Acordo de Paris, que visa limitar o aquecimento em 1,5 grau Celsius.

A divisão entre países ricos e pobres continua enorme, com os ricos trabalhando para aumentar ainda mais as desigualdades socioeconômicas, já que o documento final da COP27 precisou ser aceito em consenso por todas as 196 nações signatárias da Convenção Climática da ONU. Os países pobres e vulneráveis estão pagando a conta de um problema causado essencialmente pelos ricos e, por isso, essa questão é chamada de “climate justice” (justiça climática).

Albin Hillert / LWF
Marcha pede por ‘justiça climática’ em fundo de ‘perdas e danos’ em 18 de novembro, em Sharm El-Sheikh, no Egito

O planeta piora de sua doença rapidamente a olhos vistos, e nossos governantes e as indústrias de energia e combustíveis fósseis fingem que não é com eles. Os países ricos tentaram abandonar a meta reacordada em 2021, em Glasgow, de limitar o aquecimento a 1,5 grau Celsius. Com as emissões atuais, estamos levando todo o planeta a um aquecimento médio de 2,8 graus Celsius, que em áreas continentais significa um aumento de temperatura de 3,5 a 4 graus.

Apesar do descompasso com as atitudes práticas, nossos diplomatas, governantes e a indústria continuam falando em limitar o aquecimento em 1,5 grau Celsius. Essa meta é totalmente impossível hoje, com emissões anuais de 42 bilhões de CO2 e que aumentam a taxas de 1% a 2% ao ano.

Com isso, estamos observando um aumento significativo de eventos climáticos extremos: secas e inundações estão trazendo prejuízos enormes a países vulneráveis. A ciência prevê que podemos atingir 1,5 grau Celsius de aquecimento ainda nesta década, meta prevista inicialmente para o final do século.

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) defende que deveríamos reduzir as emissões em 7% ao ano a partir de 2020 para zerarmos as emissões até 2050. Assim, os países deveriam sequestrar cerca de 20 bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera anualmente até o final do século. Esse é o tamanho da gigantesca tarefa da nossa sociedade.

Documento ‘vago’

O documento final da COP27 é extremamente vago em termos de responsabilidades de contribuições ao “Fundo de Perdas e Danos”. Além de não ter sido definida a governança do fundo, as contribuições dos países desenvolvidos são totalmente voluntárias.

O documento final da COP27 é extremamente vago em termos de responsabilidades de contribuições ao “Fundo de Perdas e Danos”. Além de não ter sido definida a governança do fundo, as contribuições dos países desenvolvidos são totalmente voluntárias.

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)

Quem controlará os recursos e para onde irão os investimentos? Qual é a contribuição concreta da indústria de combustíveis fósseis depois de terem lucrado centenas de trilhões de dólares nas últimas décadas e causar o problema para a humanidade?
Mais de 600 lobistas da indústria do petróleo participaram na COP-27 em Sharm el Sheikh neste ano. A próxima conferência climática será em novembro de 2023, nos Emirados Árabes Unidos, um país produtor de petróleo. É claro que o lobby da indústria dos combustíveis fósseis estará ainda mais forte. Vai ser muito difícil que este fundo de perdas e danos seja regulamentado e tenha regras claras até a próxima COP, quem sabe para 2024 ou 2025.

Temos que enfrentar a questão de “Perdas e Danos” não como caridade, mas como “Justiça Climática”. O documento final da COP27 reconhece a importância da ciência para ação efetiva em função do clima e, também, reitera que temos que limitar o aumento de temperatura em 1,5ºC.

As estratégias de adaptação e mitigação de emissões são urgentes, bem como desenvolver maneiras de produzir alimentos com baixas emissões, além, claro, da eliminação dos combustíveis fósseis nos setores de energia e de transportes. Temos que atingir “Net Zero” até 2050. Por último, não podemos esquecer que a produção de alimentos é responsável por 30% de nossas emissões, o que será um enorme desafio até 2050. Não houve avanços importantes na COP27 nessas áreas estratégicas.

O Brasil na COP


A situação do Brasil também pode estar se complicando. Somos o sexto maior emissor de gases de efeito estufa, o oitavo em emissões per capita e o nono emissor histórico desde 1850. Também vamos ter que pagar esta conta dos países pobres e vulneráveis?


As contribuições ao Fundo são voluntárias. China, Brasil e Indonésia, por exemplo, são potenciais contribuidores, já que estão entre os 10 maiores emissões de gases de efeito estufa. Temos que zerar o desmatamento até 2030 (ou antes), e com isso reduzir em 49% nossas emissões.


Em 2025, a COP30 talvez seja realizada no Brasil. O tempo é perdido a cada uma das 27 COPs realizadas. A indústria dos combustíveis fósseis e os governos suportados por ela continuam a levar os 8 bilhões de seres humanos para um território climático que ameaça a humanidade.

Resolução final da cop27

O texto da COP27, que ainda está em revisão, pode ser encontrado neste link.



Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS), e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

E-mail: [email protected]