As políticas públicas são as principais ferramentas na luta contra a destruição da Amazônia. Se quiser, o Brasil sabe muito bem como usá-las.
Neste sábado (1º), chegaremos a outubro e, enfim, no domingo (2), às eleições. Novamente teremos a oportunidade de redefinir os rumos da política pública brasileira. O caminho para a reparação de danos e a reconstrução nas diversas áreas de atuação governamental será árduo, mas o cenário traz certa esperança para a Floresta Amazônica.
Não que a situação atual não seja gravíssima. Entre 2018 e 2021, a taxa de desmatamento anual na Amazônia aumentou 75% e atingiu seu pior nível dos últimos quinze anos. Em 2022, não há sinal de melhora, com registros assombrosos de alertas de desmatamento e queimadas na região. A destruição da floresta avança a passos largos, impulsionada pela ilegalidade e potencializada pela impunidade.
Por que, então, ter um pingo de otimismo? Porque o Brasil sabe como usar políticas públicas para proteger sua Floresta Amazônica. Ele já fez isso antes. No início dos anos 2000, o país perdia mais de 20 mil km² de floresta por ano, chegando a bater surreais 27,8 km² de área desmatada em 2004. Em menos de uma década, o desmatamento despencou 84%, atingindo 4,6 mil km² em 2012. Grande parte dessa queda ocorreu devido às políticas públicas adotadas no âmbito de um plano de ação federal para combate ao desmatamento na Amazônia.
O plano foi profundamente inovador. Com ele, o país introduziu uma nova estrutura de governança para políticas de conservação florestal. O combate ao desmatamento na Amazônia deixou de ser uma atribuição exclusiva do Ministério do Meio Ambiente e tornou-se uma responsabilidade compartilhada entre treze ministérios sob coordenação da Casa Civil. Reconhecer a transversalidade do tema pode parecer familiar hoje, mas representou uma mudança de paradigma na época.
As novidades do plano de ação não se restringiram apenas à forma de execução da política pública. Dentre as diversas medidas adotadas durante a vigência do plano, três merecem destaque tanto por sua natureza inovadora quanto por sua efetividade.
Primeiro, o uso estratégico de tecnologia para potencializar o controle ambiental. A capacidade de enxergar a perda florestal em tempo quase real, fruto de um pioneiro sistema de monitoramento por satélite desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), aliada à maior segurança jurídica para aplicação de punições efetivas e à focalização de áreas prioritárias, revelou-se essencial. A redução da impunidade ambiental na Amazônia foi a peça-chave para a queda do desmatamento.
Além disso, o país começou a explorar o uso de instrumentos financeiros para incentivar comportamentos ambientalmente responsáveis. O acesso ao crédito rural dentro do bioma Amazônia foi condicionado ao cumprimento de requisitos ambientais e de titulação de terras. A medida restringiu a destinação de um recurso público altamente subsidiado àqueles que descumpriam a lei e, com isso, reduziu o desmatamento.
Por fim, o Brasil modernizou políticas já consolidadas. A expansão de territórios protegidos, até então tipicamente definidos a partir de critérios ecológicos e culturais, passou a considerar o risco de desmatamento como critério relevante. Assim, esses territórios serviram como um escudo contra a destruição da floresta em zonas críticas.
A compreensão sobre o que funcionou no passado aponta caminhos para se reerguer uma agenda de política pública que consiga, novamente, combater o desmatamento na Amazônia. De imediato, deve-se recuperar e fortalecer aquilo que já se mostrou efetivo. A prioridade absoluta é restaurar a capacidade de resposta por parte do controle ambiental. O país conta com um excelente sistema de monitoramento florestal e arcabouço jurídico para investigação e punição da ilegalidade ambiental. É imprescindível que as autoridades ambientais voltem a fiscalizar, investigar e sobretudo punir aqueles que descumprem a lei.
É também indispensável avançar com o ordenamento territorial na Amazônia. Há 140 milhões de hectares de áreas com direitos fundiários mal definidos na região, incluindo florestas públicas cadastradas e não destinadas, florestas públicas não cadastradas e registros irregulares de propriedades privadas. Essas áreas concentraram 40% do desmatamento da última década, em grande parte associado à grilagem de terras públicas. Elas precisam ser destinadas ou regularizadas a partir de critérios transparentes e consistentes.
O Brasil deve, ainda, aprofundar medidas inovadoras que inaugurou no âmbito do plano de ação. Incentivos financeiros podem ser usados para recompensar aqueles que cumprem a lei ambiental e limitar recursos para os que não o fazem. Além disso, ciente da extrema relevância que tem o monitoramento regular e sistemático para a proteção da floresta, o país precisa incorporar a vegetação secundária em seus sistemas de monitoramento.
Essas medidas, ainda que urgentes e necessárias, não serão suficientes. Desde que o plano de ação foi lançado, a Amazônia mudou e, com ela, o desmatamento. É crítico, portanto, que o Brasil desenvolva políticas públicas inovadoras e ousadas para encarar os novos desafios que se apresentam. Os caminhos a trilhar agora são menos conhecidos, mas já temos uma boa noção das direções nas quais devemos seguir.
O enfrentamento do crime organizado precisa estar no centro de uma nova estratégia de proteção da Amazônia. Proteção essa que se estende não apenas à floresta, mas também às pessoas que estão reféns da vertiginosa escalada da criminalidade e da violência na região.
Além disso, é importante pensar em abordagens específicas para diferentes territórios e atores. Os assentamentos rurais, por exemplo, concentram quase um quinto da área desmatada na Amazônia. Para reduzir o desmatamento nesses locais, é crucial prover condições socioeconômicas viáveis para assegurar os meios de vida dos assentados.
Devemos repensar a produção na Amazônia. Há uma imensidão de áreas abertas subutilizadas por lá — mais do que suficientes para acomodar uma expansão da produção agrícola e pecuária e ainda sobra muito espaço para o desenvolvimento de outras cadeias produtivas, inclusive as de produtos florestais e de restauro.
Além disso, a proteção da Amazônia não pode ficar restrita ao combate ao desmatamento. A cada ano, a degradação florestal afeta uma área pelo menos tão extensa quanto o desmatamento. Apesar de ser uma perda parcial da vegetação, a degradação é extremamente nociva à resiliência da floresta e, portanto, à sua capacidade de prover serviços ecossistêmicos. O combate à degradação precisa ser incorporado aos esforços de conservação na região.
Não será fácil, mas, se os governantes eleitos que assumirem em janeiro quiserem, será possível reverter o atual quadro de destruição desenfreada da Amazônia. Políticas públicas sérias, baseadas em evidência e modernas serão suas principais aliadas.
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