No primeiro texto da série ‘Quatro Planos para a Amazônia’, especialistas avaliam que o plano de governo acerta em defender combate aos crimes na região, mas que aborda alguns temas importantes sem dizer como irá executá-los.
Um pacto contra o desmatamento, a defesa dos direitos dos povos indígenas e o reposicionamento do Brasil no combate às mudanças climáticas perante a comunidade internacional são três prioridades na agenda ambiental e da Amazônia contemplados por Lula (PT) em seu plano de governo, segundo Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Astrini avalia que o documento propõe medidas importantes para a pauta, mesmo que de forma bastante genérica em alguns momentos. Um dos trechos do plano de Lula afirma que o “Brasil é um grande produtor mineral e que a atividade minerária deve ser estimulada”. Por outro lado, o texto diz que a “mineração ilegal, particularmente na Amazônia, será duramente combatida”.
Para Astrini, nessa parte do texto, Lula tenta agradar a todos os setores: defende as grandes mineradoras e diz que irá incentivar a produção, mas também sinaliza que irá ser contra o garimpo na floresta, agradando ambientalistas.
“Mineração legalizada deve ser estimulada é muito amplo. O Lula pode simplesmente perdoar dívidas. Construir uma estrada de ferro a mais. Existem várias possibilidades, mas é um setor que já está bem consolidado no Brasil e, inclusive, vende em larga escala para a China. Não sei o que mais eles acham que é importante estimular na mineração”, afirma.
Além disso, o secretário-executivo destaca que Lula tem um ponto forte: o petista deixa claro que irá combater os crimes ambientais, não somente aqueles relacionados à mineração, mas também os “promovidos por milícias, grileiros, madeireiros” na Amazônia.
Ilona Szabó, cofundadora e presidente do Instituto Igarapé, diz que algumas propostas-chave do plano não apresentam um detalhamento sobre como seria a sua execução. Ela afirma que Lula aborda temas relevantes como a retomada do Brasil como um player na agenda ambiental internacional, além do reforço da cooperação multilateral para questões de mudanças climáticas e meio ambiente.
“No programa do Lula, ele aborda a questão do desmatamento, do crime ambiental. Menciona o papel das atividades ilegais que estão degradando a região. Ele tem consciência do problema. Mas falta ali o “como” a gente vai combater esses crimes”, avalia Szabó.
Ela afirma, contudo, que o texto apresentado pelo candidato do PT carece de “propostas claras referentes ao combate aos crimes ambientais, à transição energética e à reforma agrária, assim como com as novas economias e modelos econômicos compatíveis com a floresta de pé”.
O QUE O PLANO DE LULA FALA SOBRE COMBATE A CRIMES AMBIENTAIS:
“Vamos combater o uso predatório dos recursos naturais e estimular as atividades econômicas com menor impacto ecológico. Para isso, será necessário recuperar as capacidades estatais, o planejamento e a participação social fortalecendo o Sistema Nacional de Meio Ambiente e a Funai. Reafirmamos o nosso compromisso com as instituições federais, que foram desrespeitadas e sucateadas por práticas recorrentes de assédio moral e institucional”.
“Combateremos o crime ambiental promovido por milícias, grileiros, madeireiros e qualquer organização econômica que haja ao arrepio da lei. Nosso compromisso é com o combate implacável ao desmatamento ilegal e promoção do desmatamento líquido zero, ou seja, com recomposição de áreas degradadas e reflorestamento dos biomas”.
Histórico conta a favor
Ao defender o plano de derrubar as taxas de desmatamento e combater os crimes ambientais, Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), diz que o histórico de Lula conta a favor e favorece o “voto de confiança”. A especialista diz que essas “são algumas das medidas mais importantes da pauta ambiental no momento, tendo em vista a situação em que o Brasil está vivendo”.
“A criminalidade ambiental aumentou e está associada a redes criminosas, associada a um sistema de apropriação de patrimônio em uma escala maior do que já tínhamos visto na Amazônia em outros momentos”, diz Ramos, que aponta a promessa de combate a crimes ambientais como um ponto forte do plano de Lula.
Sobre a redução do desmatamento, ela lembra que, durante o governo de Lula, a taxa passou de 12 mil km², em 2008, para 4,6 km², em 2012: “A experiência anterior dele pode dizer isso, que irá reduzir o desmatamento, porque de fato o Brasil teve a melhor performance em combater desmatamento ilegal, invasão de terras indígenas e de unidades de conservação durante o período de Lula”, avalia Ramos.
Por isso, para a especialista do ISA, o histórico de Lula conta a favor. Por outro lado, Szabó aponta que o texto não cita, por exemplo, se pretende ou não seguir com a construção de hidroelétricas na Amazônia, outra parte do histórico que marcou o governo do ex-presidente e acabou por acelerar o desmatamento em comunidades tradicionais e áreas protegidas da Amazônia.
Por último, Belo Veríssimo, do Imazon, concorda com a defesa de Lula para a criação de um novo modelo de ocupação de uso da terra, com uma reforma agrária e agroecológica. Ele diz que é preciso aumentar a produtividade nos assentamentos da Amazônia e que “está correto pensar nisso como uma prioridade”.
“É sempre bom separar a agricultura familiar dos grandes produtores. No caso dos pequenos produtores, a agricultura familiar precisa aumentar a produtividade e gerar mais renda. Mas também temos o segundo ponto, que fala da agricultura e do agronegócio. Nós temos grandes áreas de pecuária em que a produtividade é baixíssima”, explicou o especialista do Imazon.
Szabó também reforça a defesa dos pequenos produtores como um bom ponto do projeto de Lula, bem como a necessidade de pensar em políticas públicas diferenciadas para além das voltadas ao agronegócio. O texto defende uma agricultura e pecuária sustentáveis, com investimentos na agricultura familiar.
“É uma questão muito chave, fala de pequenos produtores para além do que todo mundo fala e ele traz uma questão muito importante para a região. Não é uma coisa contra a outra, pequenos produtores contra grandes, mas precisa dar chance para novos modelos de agricultura mais sustentáveis”, explica a presidente do Instituto Igarapé.
Leia também a análise dos planos de Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e Simone Tebet:
- Jair Bolsonaro: plano defende desenvolvimento sustentável, mas contradiz histórico na Presidência
- Ciro Gomes: defende desenvolvimento e pesquisa científica na Amazônia, mas tem plano vago
- Simone Tebet: plano é um dos mais concretos e prevê recuperação de áreas degradadas
METODOLOGIA
O PlenaMata leu os quatro planos de governo dos quatro primeiros candidatos à Presidência melhor colocados nas pesquisas DataFolha e Ipec. São eles: Lula (PT), Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).
Em sequência, separou os trechos relacionados à Amazônia, principalmente, mas também conectados à pauta ambiental, às mudanças climáticas e ao desenvolvimento sustentável.
Por último, os trechos foram compartilhados com os especialistas para análise das propostas. Adriana Ramos, Ilona Szabó, Marcio Astrini e Beto Veríssimo enviaram documentos em texto e/ou conversaram por telefone.
Essa análise é uma parceria do PlenaMata com a iniciativa “Uma Concertação pela Amazônia”, rede com mais de 400 lideranças engajadas na preservação da floresta. Veja, abaixo, a biografia dos analistas:
- Adriana Ramos atua no campo das políticas públicas socioambientais há mais de 27 anos. Coordena o Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA). Faz parte da Coordenação do Observatório do Clima. Foi representante da sociedade civil no Comitê do Fundo Amazônia.
- Beto Veríssimo é engenheiro agrônomo pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), pós-graduado em Ecologia pela Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), pesquisador sênior e co-fundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e diretor do Centro de Empreendedorismo da Amazônia (CEA).
- Ilona Szabó é cofundadora e presidente do Instituto Igarapé, um think and do tank focado nas áreas da segurança pública, digital e climática. É membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), onde coordena o eixo sobre governança climática. Empreendedora cívica, com formação em relações internacionais, desenvolvimento e políticas públicas.
- Marcio Astrini é secretário-executivo do Observatório do Clima, rede formada por 77 organizações da sociedade civil brasileira que há 20 anos atua na agenda socioambiental e de clima. É ambientalista com formação em gestão pública, direito constitucional e políticas públicas.