No terceiro texto da série ‘Quatro Planos para a Amazônia’, articulistas avaliam que as propostas do candidato são positivas, mas deixam a desejar ao não apresentar prioridades claras em cada uma delas.

O plano de governo do candidato de Ciro Gomes (PDT) defende o “desenvolvimento sustentável”, pede respeito aos territórios indígenas e, entre os pontos positivos apontados pelos especialistas consultados pelo PlenaMata, está a proposta de incentivo à pesquisa científica e tecnológica realizada pelos próprios órgãos da Amazônia.

Beto Veríssimo, do Imazon, avalia que é um discurso válido, que “não está errado”, mas que não vê um avanço, uma proposta palpável sobre qual caminho devemos seguir nos próximos quatro anos.

“É positivo, mas é vago. Dizer que a Amazônia tem que ter mais pesquisa é amplo. Não está errado, está correto dizer que precisa ter mais pesquisa. Mas pra que? Somos referência em agricultura tropical, em silvicultura, o Brasil já é um país em excelência em algumas áreas. Mas onde vamos avançar? Temos que avançar na biotecnologia, em desenvolvimento de novas moléculas, falta ele explicar em quais áreas vai investir”, avalia. 

O QUE O PLANO DE CIRO DIZ SOBRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA AMAZÔNIA:

“Será necessário envolver a população local em atividades econômicas que sejam rentáveis e sustentáveis a eles, mas que excluam a derrubada da floresta.”

“A pesquisa científica e tecnológica, realizada pelos próprios órgãos de pesquisa da Amazônia, encontrará novos produtos e formas de produção, os quais serão essenciais para preservar a floresta, possibilitar o seu manejo sustentável e garantir a realização de atividades econômicas à população local.” 

Em comparação com os outros três planos, de Lula, Bolsonaro e Simone Tebet, o de Ciro é o mais sucinto, com uma única página dedicada exclusivamente à pauta ambiental – os outros dedicam ao menos duas ou três páginas de seu plano para a temática. De toda forma, o candidato do PDT abre o texto enviado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o título “Linhas gerais do Programa de Ciro Gomes” – uma sinalização de que é um resumo sobre o que realmente propõe. 

Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental, afirma que o candidato “não demonstra ter uma familiaridade e uma compreensão ampla da pauta ambiental” e lembra que em outros cargos assumidos por Ciro, como de governador do Ceará e de Ministro da Integração Nacional, não se destacaram projetos na defesa do meio ambiente. 

“Não temos registros dele, no caso do governo do estado, que sejam muito positivos, que sejam um grande diferencial. O que a gente vê é que a perspectiva do próprio projeto que ele desenvolve e, também, algumas coisas que ele tem dito, é uma perspectiva desenvolvimentista que coloca a questão ambiental como uma questão de menor importância”, avalia Ramos. 

“É uma perspectiva desenvolvimentista que coloca a questão ambiental como uma questão de menor importância.”

Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA)

De acordo com a especialista do ISA, o tema passou a ser de relevância para todos os candidatos, já que marca uma oposição ao governo de Jair Bolsonaro. Para ela, qualquer “posicionamento generalista já vai sair na frente”, uma vez que estamos falando de um cenário de “terra arrasada”. 

Lacunas na proposta

Ilona Szabó, do Instituto Igarapé, concorda com Veríssimo e Ramos e afirma que, em geral, as propostas ambientais de Ciro são muito genéricas, “embora abordem temas importantes como fomento à pesquisa, fortalecimento de órgãos de pesquisas amazônicos para combater o desmatamento e propor soluções para uma economia sustentável”. 

Entre as lacunas da proposta, Szabó destaca que Ciro não se compromete, por exemplo, com a retomada da demarcação de terras indígenas e não faz alusão uma única vez à agenda climática ou de combate ao crime ambiental. 

Apesar de o candidato citar a necessidade do fortalecimento dos órgãos ambientais estatais para combater a exploração ilegal de recursos naturais, ele não apresenta diretrizes claras de como faria tal fortalecimento. 

“A dimensão tecnológica e científica é chave. E ele também traz a questão da defesa do direito indígena, mas ele não diz se teremos mais demarcação. Ele está apenas ‘tateando’”, avalia Szabó. 

“A dimensão tecnológica e científica é chave. E ele também traz a questão da defesa do direito indígena, mas ele não diz se teremos mais demarcação. Ele está apenas ‘tateando'”.

Ilona Szabó, cofundadora e presidente do Instituto Igarapé

Apesar de não dizer expressamente se irá demarcar mais terras para povos tradicionais da Amazônia, Ciro já se posicionou em relação a outro tema que envolve os direitos indígenas.

Em 16 de setembro deste ano, ele voltou a acenar para a liberação de mineração em terras indígenas em evento em Belém. E não é a primeira vez que o candidato defende o assunto: em live no seu canal no Youtube, ele disse: “A exploração de recursos minerais pode ser liberada em terras indígenas? Depende. Qual é a dependência? A dependência é o seguinte: se as comunidades indígenas, e isso eu conheço por dentro, quiserem, a gente pode fazer de forma sustentável, com uma estatal controlada pela comunidade indígena”. 

Secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini destaca a importância da perspectiva de desenvolvimento regional para a Amazônia apresentada por Ciro, apesar de não ter um aprofundamento do tema no documento. O ambientalista afirma que o Brasil, em 522 anos, nunca escreveu um plano para metade de seu território (a Amazônia representa 5 milhões de km² ou 59% do país) e que isso poderia “mudar tudo”. 

“Não existe um plano para a Amazônia. É por isso que estamos nessa situação. Sempre estivemos com o espírito ‘faz aí o que você quiser’. Infelizmente, a Amazônia nunca foi importante para os governos. E, agora, está abrindo algum espaço no debate, principalmente por causa da vergonha internacional”, finaliza.


Leia também a análise dos planos de Lula, Jair Bolsonaro e Simone Tebet:


METODOLOGIA

O PlenaMata leu os quatro planos de governo dos quatro primeiros candidatos à Presidência melhor colocados nas pesquisas DataFolha e Ipec. São eles: Lula (PT), Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).

Em sequência, separou os trechos relacionados à Amazônia, principalmente, mas também conectados à pauta ambiental, às mudanças climáticas e ao desenvolvimento sustentável.

Por último, os trechos foram compartilhados com os especialistas para análise das propostas. Adriana Ramos, Ilona Szabó, Marcio Astrini e Beto Veríssimo enviaram documentos em texto e/ou conversaram por telefone.


Esta análise é uma parceria do PlenaMata com a iniciativa “Uma Concertação pela Amazônia, rede com mais de 400 lideranças engajadas na preservação da floresta. Veja, abaixo, a biografia dos analistas:

  • Adriana Ramos atua no campo das políticas públicas socioambientais há mais de 27 anos. Coordena o Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA). Faz parte da Coordenação do Observatório do Clima. Foi representante da sociedade civil no Comitê do Fundo Amazônia.
  • Beto Veríssimo é engenheiro agrônomo pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), pós-graduado em Ecologia pela Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), pesquisador sênior e co-fundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e diretor do Centro de Empreendedorismo da Amazônia (CEA).
  • Ilona Szabó é cofundadora e presidente do Instituto Igarapé, um think and do tank focado nas áreas da segurança pública, digital e climática. É membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), onde coordena o eixo sobre governança climática. Empreendedora cívica, com formação em relações internacionais, desenvolvimento e políticas públicas.
  • Marcio Astrini é secretário-executivo do Observatório do Clima, rede formada por 77 organizações da sociedade civil brasileira que há 20 anos atua na agenda socioambiental e de clima. É ambientalista com formação em gestão pública, direito constitucional e políticas públicas.