Como as regras criadas pelo norte-americano Henry Robert para tornar reuniões mais efetivas podem ajudar produtores rurais na Amazônia a ganhar competitividade no mercado global.

Na minha coluna anterior, escrevi sobre a importância dos recursos compartilhados setoriais (ReCS). Em grande parte, ReCS são conhecimentos específicos que ajudam empresas de um setor a aumentar sua eficiência operacional, aprimorar a qualidade de seus produtos e atender mercados exigentes e lucrativos. Na Amazônia, a escassez de ReCS ligados aos produtos compatíveis com a floresta ajuda a explicar porque suas empresas ainda enfrentam dificuldades em deslanchar. 

O desafio, então, é como provê-los como abordei na coluna. Nos últimos 10 anos, tenho estudado diversos casos nos quais isso foi feito. Através desses estudos, aprendi que grupos de produtores só conseguem criar ReCS quando recrutam uma base ampla de participantes e adotam um processo decisório que preserva sua coesão apesar das inevitáveis divergências.

Desde abril de 2022, acompanho um grupo de 150 produtores rurais de todo o Brasil ansiosos por criar uma associação nacional e usá-la para prover recursos compartilhados setoriais. Graças a essa experiência, estou ganhando uma nova compreensão sobre a questão. 

 

Todos meus estudos, porém, examinam grupos já formados, onde cada peça se encontra no devido lugar. Desde abril de 2022, acompanho um grupo de 150 produtores rurais de todo o Brasil ansiosos por criar uma associação nacional e usá-la para prover ReCS. Graças a essa experiência, estou ganhando uma nova compreensão sobre a questão. 

Talvez a melhor analogia seja o computador. Quando o equipamento está desligado, ele é composto por uma massa inerte de transístores. Quando ligado, esses transistores abrigam o sistema operacional, múltiplos drivers que gerenciam os periféricos e diversos aplicativos. O processo que transforma a massa inerte em um equipamento pronto para o uso chama-se “booting”. Durante o “booting”, um programinha inscrito no hardware ensina o computador a chamar um programa um pouco maior responsável pela inicialização. Por sua vez, esse programa chama o sistema operacional, que chama os drivers, e assim por diante, até todas as peças entrarem no lugar. 

Os produtores que estou observando estão lutando para fazer o “booting” de sua associação, mas eles não dispõem desses programinhas iniciais e, por isso, têm dificuldade em avançar. A maior parte das discussões ocorre via WhatsApp. Nessa plataforma, participantes podem falar quando tem vontade, muitas moções substantivas e processuais são apresentadas ao mesmo tempo, algumas são discutidas, enquanto outras são ignoradas e nenhuma recebe resolução definitiva. O único instrumento para manter a ordem é a expulsão. Pode parecer redundante, mas sem ter um processo de decisão inicial para guiar as discussões, os produtores não conseguem criar um processo de decisão formal representado pela associação.  

Há 150 anos, um norte-americano chamado Henry Robert enfrentou um problema semelhante quando presidiu algumas assembleias da Igreja Batista perto de Boston e depois em São Francisco. Frustrado com o tumulto e falta de efetividade dessas deliberações, ele escreveu um manual de bolso que ficou conhecido como “Regras de Ordem de Robert”. Desde então, as Regras de Robert se tornaram padrão em assembleias de todos os tipos, tamanho e temas realizadas nos EUA. 

Frustrado com o tumulto e falta de efetividade dessas deliberações, ele escreveu um manual de bolso que ficou conhecido como “Regras de Ordem de Robert”. Desde então, as Regras de Robert se tornaram padrão em assembleias de todos os tipos, tamanho e temas realizadas nos EUA. 

As regras centrais são simples e surpreendentemente chatas: temas pendentes são discutidos antes de temas novos, participantes podem propor moções, uma moção só é considerada se for endossada por outro participante, todos os presentes podem argumentar em favor ou contra a moção, e o presidente da sessão só autoriza uma pessoa a falar novamente depois que todos interessados tiverem se pronunciado. Ao final desse processo, os presentes votam sim ou não para adotar ou rejeitar a moção e depois disso passam a discutir o assunto seguinte. 

Eu conheci essas regras, pois elas são adotadas nas reuniões do corpo docente da NYU onde leciono, nas assembleias de pais e mestres da escola pública onde meus filhos estudam e nas reuniões do conselho diretor de uma pequena ONG do bairro. Até recentemente, eu achava tudo um pouco insólito, talvez desnecessário, afinal, minhas reuniões costumam tratar de temas rotineiros e consensuais. Agora, percebi que as regras têm um valor incalculável porque permitem que grupos discutam temas contenciosos de forma ampla e democrática, mantendo coesão apesar das divergências. Percebi que as Regras de Ordem de Robert podem ser o “programa de inicialização” que permite a criação de recursos compartilhados setoriais.


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Sobre o autor

Salo é professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas relacionadas à administração pública e desenvolvimento econômico. Formado em Administração Pública pela FGV, com mestrado em Direito e Diplomacia pela Fletcher School da Tufts University (EUA) e doutorado em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde março de 2020, é pesquisador associado do projeto Amazônia 2030.

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