Descobrimos este conceito ao entrevistar empreendedores de alimentos na Amazônia. Ele se traduz em conhecimentos específicos que alavancam um setor. Saiba por que esses recursos são tão importantes.

Não é fácil fazer negócios de base florestal na Amazônia brasileira. Os problemas são múltiplos e bem conhecidos, incluindo as grandes distâncias, alta informalidade, pouca infraestrutura e violência crescente nas cidades e no campo. Ainda assim, um número cada vez maior de pequenas e médias empresas têm conseguido destaque produzindo polpas, molhos, castanhas, chocolate, óleos, peixes, frutas e outras comidas.

Em 2020 e 2021, eu e dois coautores – Roberto Smeraldi e Manuele Lima – conversamos com 45 representantes de 38 empresas e instituições engajadas no setor de alimentos na Amazônia para entender como eles enfrentam os obstáculos mais comuns que afetam esses negócios na região. 

Através dessa pesquisa, descobrimos um cenário de contradição. De um lado, muitos desses empreendedores veem o futuro com otimismo e têm planos concretos para investir. Dando apoio a esse esforço, eles contam com a ajuda de um ecossistema cada vez mais robusto de incubadoras, aceleradoras, fundos de investimento de impacto e programas de fomento. 

Do lado negativo, esses empreendedores ainda enfrentam dificuldade em deslanchar. Na nossa interpretação, o problema mais sério está relacionado com a escassez de “recursos compartilhados setoriais”. 

Todos os empreendedores precisam investir em bens privados, incluindo uma sede própria, funcionários, máquinas e estoque. Naturalmente, eles precisam ter acesso a serviços de interesse público, como estradas, energia elétrica e internet. 

Mas ao entrevistar empreendedores que trabalham com alimentos da Amazônia, percebemos que eles investem também na provisão de um outro recurso, que não é público nem privado, e que decidimos chamar de “recursos compartilhados setoriais” (ReCS). Esses recursos beneficiam todas as empresas de um setor, mas tem pouco valor para empresas fora dele. 

Na maior parte dos casos, ReCS tomam a forma de conhecimento técnico e específico, incluindo métodos de produção e controle de qualidade, informações sobre as características de cada produto, e dados sobre oportunidades de mercado. 

Na maior parte dos casos, ReCS tomam a forma de conhecimento técnico e específico, incluindo métodos de produção e controle de qualidade, informações sobre as características de cada produto, e dados sobre oportunidades de mercado.

Em alguns casos, esse conhecimento está embarcado em máquinas, equipamentos e insumos. Em outros, ele reside na experiência de funcionários, acumulada ao longo dos anos. E em outros casos, o conhecimento é mais difuso e reside na cabeça de clientes que conhecem o produto e a reputação de uma região. 

Criar ReCS exige investimento e perseverança. Por exemplo, Hortência Osaqui, da Fazenda Bacuri, localizada em Augusto Corrêa, no Pará, nos contou que viajou para a Europa para oferecer geleias e licores de bacuri no mercado de alimentos. Mas ao participar de uma feira de negócios, descobriu alguns compradores que estavam interessados em extrair óleo do caroço da fruta para fabricar cosméticos. Esse tipo de conhecimento é um recurso compartilhado setorial, pois beneficia todas as empresas que produzem (ou podem vir a) produzir bacuri, mas não gera ganhos para empresas de outros setores.

ReCS são cronicamente escassos, pois o ganho privado é muito menor do que o ganho social. Alguns heróis, como Hortência Osaqui, investem um pouco, mas menos do que seria ideal. 

Confrontados com essa realidade, algumas pessoas sugerem a entrada do governo, que poderia subsidiar ReCS ou provê-los sozinho. Não é uma sugestão inteiramente ruim, mas os governantes preferem oferecer serviços que atendem o maior número de eleitores possíveis, como estradas, eletricidade, e comunicação. Em casos extremos, os prefeitos preferem investir em shows de música, gratuitos e abertos ao público. Infelizmente, iniciativas genéricas não resolvem problemas setoriais.  

ReCS são como um vento forte e consistente que ajuda uma flotilha de navios a chegar mais rápido em seu destino. Um passageiro pouco informado, fechado em sua cabine, pode achar que os barcos avançaram sozinhos, graças a potência de seu motor ou o tamanho de suas velas.

ReCS são como um vento forte e consistente que ajuda uma flotilha de navios a chegar mais rápido em seu destino.

Algum capitão mais egoísta pode achar que a viagem foi um sucesso graças a sua experiência e perícia. Em outras palavras, é fácil ignorar a existência do vento ou desmerecer a sua contribuição. Mas tentar viajar sem ele torna o trajeto muito mais penoso e demorado. 

Diferentemente do vento na analogia acima, ReCS podem ser criados pelas empresas interessadas, desde que se organizem de forma efetiva. E uma vez que os negócios começam a avançar com celeridade, elas conseguem investir ainda mais.

Aos poucos, atingem tal velocidade que passam a atrair investidores de fora, bem como competidores, fornecedores e clientes. Desse modo, a economia local enriquece e se diversifica, num ciclo positivo de desenvolvimento. O grande desafio é começar esse processo e garantir que prossiga.  


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Salo é professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas relacionadas à administração pública e desenvolvimento econômico. Formado em Administração Pública pela FGV, com mestrado em Direito e Diplomacia pela Fletcher School da Tufts University (EUA) e doutorado em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde março de 2020, é pesquisador associado do projeto Amazônia 2030.

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