Uma avalanche de novos investimentos foi anunciada nos últimos dias. Será que conseguirão alavancar o tão necessário desenvolvimento sustentável?

Para que nosso país possa construir uma Amazônia sustentável, precisamos desenvolver a ciência que possa construir este caminho. Este caminho não é único, e passa por questões sociais, econômicas, ambientais e científicas enormes. Para isso, o financiamento à ciência na região amazônica precisa crescer e se institucionalizar. 

A Amazônia possui pelo menos três sistemas de produção de conhecimento. O primeiro é através dos Institutos de Pesquisas do Ministério de Ciência e Tecnologia, como o Inpa (Instituto Nacional de pesquisas da Amazônia), o MPEG (Museu Paraense Emilio Goeldi) e Mamirauá (Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá).

O segundo sistema consiste nas universidades federais e estaduais da região, como UFPA, UFAM, UEA e muitas outras. O terceiro sistema é formado pelas organizações não governamentais de pesquisa como o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), o ISA (Instituto Socioambiental) etc.

Mas, nas últimas semanas, uma série de anúncios de novas iniciativas de apoio à pesquisa na Amazônia foi feita. O Confap (Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa), em parceria com a Fapesp, o  MCTI e outras 17 fundações de amparo à pesquisa, anunciou uma iniciativa chamada de Amazônia+10, que prevê aportar cerca de R$ 500 milhões. 

Outra iniciativa também divulgou que vai montar uma variante do MIT (Massachussets Institute of Technology) na Amazônia o AmIT, para desenvolver a necessária tecnologia para alavancar o desenvolvimento sustentável da região. E o governo americano recentemente revelou o financiamento de vários bilhões de dólares para zerar o desmatamento de florestas tropicais, onde a Amazônia tem papel central. 

Idesam e Natura/Divulgação
Agroflorestas do Reca, Rondônia

Importante salientar que o Brasil tem compromissos junto ao Acordo de Paris e à COP 26 que envolvem zerar o desmatamento da Amazônia até 2028, reduzir as emissões de metano em 30% até 2030 e reflorestar 12 milhões de hectares até 2035. Mas a ciência necessária para atingir estas metas ainda terá que ser desenvolvida.

Com as mudanças climáticas atingindo em cheio o Brasil e a Amazônia, precisaremos ainda mais dela para avaliar os impactos na floresta e na produtividade do agronegócio estabelecido na região e fora dela. A maneira mais fácil, rápida e com fortes ganhos ambientais de reduzir as emissões de gases de efeito estufa é zerar o desmatamento. 

Este novo afluxo de recursos para pesquisas na região amazônica ocorre neste particular momento na qual ficou claro o esgotamento do atual modelo de desenvolvimento predatório, baseado em crimes ambientais, invasão de terras públicas, garimpo ilegal, entre outras ilegalidades.

O edital do Confap envolve projetos de regeneração e monitoramento florestal, laboratórios-satélite no meio da floresta, programa de estudos da biodiversidade, cadeias da bioeconomia (com enfoque especial para produtos regionais como açaí, cupuaçu e pirarucu) e bioeconomia florestal, projetos de estudos atmosféricos e de mudança do clima, nanotecnologia e materiais avançados, além de empreendedorismo. É uma agenda ampla, com metas importantes de implementação devido à falta de pessoal e laboratórios que precisam ser modernizados. 

Um desafio importante, por exemplo, é integrar o conhecimento tradicional que povos indígenas e ribeirinhos detém na ciência de modo que possamos aprender e incorporar estes conhecimentos tradicionais no sistema de desenvolvimento da região.

Os orçamentos desses institutos, como o Inpa, são irrisórios perto dos recursos que estão sendo anunciados. Está ocorrendo uma evidente assimetria entre os órgãos do Estado brasileiro e estas iniciativas, que envolvem novos institutos e ONGs.

Mas é curioso notar que os institutos de pesquisas do MCTI veem sendo sistematicamente destruídos, estão com orçamentos defasados, falta de pessoal, de veículos, equipamentos e sem instalações minimamente adequadas para executar as necessárias pesquisas com competência. Os orçamentos destes institutos são irrisórios perto dos recursos que estão sendo anunciados. Está ocorrendo uma evidente assimetria entre os órgãos do Estado brasileiro e estas iniciativas, que envolvem novos institutos e ONGs.

As ONGs de pesquisas estão realizando um trabalho essencial na Amazônia. Em geral, elas são muito mais próximas das comunidades locais que os grupos de pesquisa mais tradicionais dos institutos e universidades. As temáticas de pesquisas das ONGs, em geral, respondem a questões mais imediatas das comunidades, com pesquisas voltadas a resultados. Mas é fundamental que este processo de alavancar pesquisas na Amazônia seja feito de modo harmônico e integrando com todas as instituições. 

É também fundamental que este processo de alavancar pesquisas na Amazônia seja feito de modo harmônico e integrando.

A Amazônia não deve ser vista de modo isolado no Brasil, e a integração com grupos de pesquisas consolidados do resto do país é essencial, bem como as parcerias internacionais. O papel do setor privado também é fundamental, incluindo o agronegócio e o desenvolvimento de biotecnologia baseada nos recursos da floresta. A integração desta agenda de pesquisas brasileiras na Amazônia com os demais oito países pan-amazônicos é de suma importância. Complementaridade nas agendas de pesquisas na Pan-Amazônia é condição para este esforço dar certo. 

Um dos maiores portfólios do Brasil para o mundo é a Amazônia. Educação, ciência, tecnologia e inovação são ferramentas capazes de mudar a realidade da população de 30 milhões que vivem nessa região, desabastecida de políticas públicas que levem à sustentabilidade. O conhecimento da Amazônia deve ser fundamentado na ciência, no saber tradicional e na tecnologia direcionados à inovação para garantir a inclusão socioeconômica e visando à conservação ambiental a longo prazo. Manter a floresta em pé e, ao mesmo tempo, dar vida digna aos 30 milhões de brasileiros e 50 milhões de sul-americanos é a nossa tarefa fundamental.


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Sobre o autor

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS), e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

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