Disputas por recursos minerais são reconhecidamente violentas. Isto não pode ser ignorado na formulação de políticas públicas.

O garimpo representa mais da metade da área destinada à mineração no Brasil, segundo mapeamento do MapBiomas. A atividade é ainda mais relevante no bioma Amazônia, que concentra 94% das áreas garimpeiras no país. Destas, 87% constituem áreas de exploração de ouro. 

Apesar de seu inerente potencial para gerar riqueza, a atividade mineradora e o garimpo costumam vir acompanhados de violência. Esta afirmação pode soar familiar, pois remete à memória de inúmeros filmes que retratam a disputa sangrenta por ouro no “Velho Oeste” dos Estados Unidos; ou à lembrança dos diamantes de sangue, que financiam conflitos e guerras na África Ocidental; ou, ainda mais perto de casa, ao massacre de Serra Pelada.

Assim, a presença de recursos minerais pode ser uma maldição ao invés de uma bênção. Por um lado, esses recursos podem proporcionar um aumento de renda e emprego para as populações locais – uma bênção. Por outro, o potencial de lucro com os minérios pode gerar conflitos entre grupos que desejam controlar suas jazidas, não raro culminando em disputas armadas e escalada da violência na região – uma maldição.

Diversos estudos documentam essas consequências negativas. Um artigo publicado na American Economic Review mostra que o aumento de preço de diferentes minérios leva a mais violência e conflitos entre milícias na África, exatamente onde estão localizadas as minas de cada mineral. História similar se repete em minas de ouro na Colômbia, onde a disputa violenta pelas jazidas é alimentada pelo narcotráfico. A ideia é que, conforme cresce o valor dos minérios, aumenta a disposição de grupos armados a lutar por eles, apesar dos riscos envolvidos.

Diante desses fatos, é espantoso que, no Brasil, a conexão entre mineração, violência e grupos paramilitares ainda seja, majoritariamente, deixada de lado na formulação de leis e políticas públicas. Isto é especialmente grave no contexto da Amazônia, onde a mineração ilegal se mistura a outros crimes ambientais, conforme relatório do Instituto Igarapé, e, ainda, facilita a lavagem de dinheiro de outras atividades criminosas. 

Um relatório sobre violência na Amazônia produzido por pesquisadores do Insper e do Climate Policy Initiative/PUC-Rio para o Projeto Amazônia 2030 investiga alguns impactos sociais dessa associação. Os dados revelam um crescimento acentuado na taxa de homicídios justamente em municípios expostos à mineração e, particularmente, à mineração ilegal.

Esse impacto social, no entanto, ainda não está presente no debate público que envolve o setor mineral. Um exemplo claro de descaso com a violência em garimpos na Amazônia está em alguns artigos enxertados às pressas na Medida Provisória 610/2013, que nada tinha a ver com mineração e que foi posteriormente convertida na Lei 12.844/2013. Esses artigos, essencialmente, eximiram compradores de ouro bruto ilegal proveniente de garimpo da responsabilidade sobre essa transação ilícita. 

Conforme explicado em relatório do Ministério Público Federal, na prática, isto permitiu que os compradores – chamados Pontos de Compra de Ouro (PCO) – pudessem adquirir ouro explorado ilegalmente sem se preocupar com eventual punição por parte do governo. Com isto, ficou muito mais fácil para garimpeiros ilegais “lavarem” ou “esquentarem” o ouro extraído ilegalmente, pois, uma vez que o vendessem para os PCOs, o metal se tornava automaticamente legal. Ou seja, as lojas oficiais de compra de ouro se tornaram pontos de lavagem de ouro.

Por sua vez, esta facilidade em lavar o ouro ilícito estimulou a atividade garimpeira ilegal. E esses garimpos ilegais são, tipicamente, locais muito violentos. Isto decorre da proximidade entre essa atividade ilícita e o narcotráfico, mas também do fato de que, muitas vezes, disputas por territórios na Amazônia são resolvidas com o uso da força e não das instituições legais.

Focando nessa nova legislação, um artigo de pesquisadores do Climate Policy Initiative/PUC-Rio foi pioneiro em analisar seu efeito sobre a violência na Amazônia. O estudo demonstra que o estímulo dado ao garimpo ilegal de ouro por essa lei foi responsável por um aumento de 20% na taxa de homicídios nos locais onde esse minério é produzido ilegalmente. Especificamente, esse enfraquecimento no controle de transações ilegais custou, aproximadamente, um total de 1,3 mil vidas na Amazônia Legal entre 2013 e 2019.

A Figura 1 mostra um dos resultados do estudo. Nela, é possível observar que os municípios mais expostos à mineração ilegal de ouro tiveram um aumento significativo na violência justamente após a aprovação da Lei 12.844/2013. O mesmo não ocorre em áreas de mineração legal ou que não possuem jazidas de ouro. Isto sugere que o favorecimento dado pela nova lei à mineração ilegal contribuiu para o crescimento da violência relacionada à essa atividade.

Figura 1: Taxa de Homicídios em municípios da Amazônia Legal de acordo com sua exposição à mineração de ouro legal ou ilegal

Notas: Dados referentes a municípios com até 200.000 habitantes.
Fonte: Pereira e Pucci (2021) com dados de DataSUS, Serviço Geológico Brasileiro e IBGE.

No entanto, mesmo que essa tragédia pudesse ser parcialmente antecipada baseando-se no que já se sabe sobre a relação entre mineração e violência, nada disso teve muito espaço durante o debate para aprovação da lei. Mais grave do que isso: como dito, essas regras foram colocadas sorrateiramente em uma medida provisória que discutia subsídios agrícolas, sem amplo debate sobre suas consequências. Com uma canetada, quase 1.300 vidas foram perdidas para a violência em garimpos ilegais.

Sabemos que essa realidade violenta não está restrita à mineração ilegal. É preciso se preocupar também com a mineração legal e seu papel na geração de conflitos. Como exemplo, sabe-se que mineradoras, às vezes, estabelecem relações e fazem alianças informais com grupos armados para poderem atuar em determinada região sob domínio destes. É o caso da AngloGold Ashanti, uma grande mineradora internacional que se envolveu com um violento grupo rebelde na República Democrática do Congo em meados dos anos 2000, conforme descrito em relatório do Human Rights Watch.

Neste contexto, propostas de mudanças legislativas para impulsionar o setor mineral tornam-se ainda mais alarmantes. Por exemplo, o Projeto de Lei 191/2021, em discussão no Congresso Nacional, possibilita a exploração legal de minério em Terras Indígenas. Já os Decretos 10.965/2022 e 10.966/2022 incentivam a garimpagem ao simplificar os procedimentos de análise de processos pela ANM e ao criar o Pró-Mape (Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala). Ao incentivar o garimpo na Amazônia, essas medidas podem surtir grave efeito social.

O motivo de especial preocupação com essas novas regulações decorre da velocidade com que estão sendo implementadas, sem ampla discussão sobre a atual falta de capacidade governamental para monitorar o que já existe de mineração na Amazônia e seus potenciais efeitos negativos. Há enorme deficiência, atualmente, nos instrumentos existentes para averiguar, por exemplo, a origem dos minérios extraídos ou para determinar se mineradoras e garimpeiros estão cumprindo exigências socioambientais. 

Diante disso, a tendência é que novos estímulos à mineração na região exacerbem não só a violência, mas a complementaridade entre mineração – legal ou ilegal – e atividades ilícitas. Em última instância, é bastante provável que muitos mais paguem com suas vidas pela falta de atenção à maldição que acompanha a promessa de bênção da mineração.

Texto de coautoria de Leila Pereira e Rafael Pucci

Sobre os autores

Doutora em Economia pela PUC-Rio e coordenadora de Avaliação de Política Pública para Conservação no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Sua pesquisa avalia efetividade e impacto de políticas públicas de proteção florestal.
E-mail: [email protected]

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Doutora em Economia pelo Insper – São Paulo e analista sênior da área de Instrumentos Financeiros no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Atua em pesquisas que avaliam o impacto de diferentes políticas de crédito e seguro agrícola sobre uso da terra, produtividade agropecuária e meio ambiente.

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Doutor em Economia pelo Insper – São Paulo e analista sênior da área de Conservação no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Atua em pesquisas que avaliam o efeito de diferentes políticas públicas ambientais voltadas à redução de desmatamento e degradação florestal.

E-mail: [email protected]