Condições diferenciadas de crédito para produtores que adotam práticas sustentáveis, não desmatam e têm imóveis regularizados podem gerar incentivos econômicos para maior produtividade agropecuária e conservação das florestas.

O crédito rural é a principal política pública para a agropecuária no Brasil, sendo a fonte de financiamento mais importante do setor. Na Amazônia, R$ 19,7 bilhões em crédito apoiaram a agricultura e R$ 16,4 bilhões a pecuária no ano agrícola de 2020/21. 

Considerando que o avanço da agropecuária é um fator historicamente associado ao desmatamento no bioma, é essencial compreender os impactos que o crédito tem no uso da terra. A partir disso, é possível traçar caminhos para tornar a política de crédito rural, que conta com importantes subsídios governamentais, mais alinhada à preservação ambiental e à sustentabilidade.

Composição do volume de crédito rural no Bioma Amazônia por Atividade, 2020-21

Fonte: CPI/PUC-Rio com dados de Banco Central.
Credit: CPI/PUC-Rio com dados de Banco Central. Credit: CPI/PUC-Rio com dados de Banco Central.

A relação entre crédito e desmatamento é ambígua do ponto de vista teórico. O crédito permite que produtores rurais aumentem os investimentos e tenham maiores retornos, mas o impacto sobre a cobertura vegetal depende de como os recursos são usados. 

Por um lado, se produtores rurais usam o crédito para expandir suas terras agropecuárias, há aumento da pressão por desmatamento. Por outro lado, se o crédito é usado para promover ganhos de produtividade e possibilita maior produção em menos terras, há uma redução da pressão por desmatamento. As evidências empíricas sugerem que o crédito alivia restrições financeiras dos produtores rurais em todo o país, aumentando a produção e a produtividade na agropecuária, segundo análises de pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio). 

Quando há maior disponibilidade de crédito nos municípios, alternativas menos produtivas são substituídas por outras mais produtivas: é observada a conversão de pastagens, que são áreas frequentemente subutilizadas, em cultivos agrícolas. Assim, ocorre uma intensificação da produção que reduz as pressões por desmatamento. Esses impactos do crédito rural se estendem ao bioma Amazônia, onde se observa que uma expansão da oferta de crédito rural gera uma redução da área total destinada à agropecuária devido à redução das pastagens

As evidências sugerem que o crédito alivia restrições financeiras dos produtores rurais em todo o país, aumentando a produção e a produtividade na agropecuária, segundo análises de pesquisadores do CPI/PUC-Rio. 

No entanto, o mercado de crédito rural na Amazônia é menos desenvolvido e conta com poucas instituições financeiras comparado às demais regiões do país. Dois bancos públicos – o Banco da Amazônia (Basa) e o Banco do Brasil (BB) – constituem a principal fonte de crédito rural para 78% dos municípios da região. 

O acesso limitado ao crédito e as opções mais restritas de financiamento resultantes da menor competição entre instituições financeiras são obstáculos para investimentos em tecnologia e boas práticas, assim como para a intensificação e o aumento de produtividade da terra no bioma. Por sua vez, uma agropecuária menos intensiva agrava a pressão por desmatamento, que atualmente está em níveis críticos.

Além disso, o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), uma das principais fontes de recursos de crédito na região tendo destinado aproximadamente R$ 6,5 bilhões ao setor rural no ano agrícola de 2020/21, tem falhado em cumprir seus objetivos de estimular o desenvolvimento econômico e social do Norte do país, fortalecer pequenos e mini-produtores e reduzir disparidades de renda intra-regionais. Mudanças nas regras de priorização da alocação de recursos ao longo do tempo passaram a permitir que produtores com renda bruta anual até R$ 16 milhões fossem incluídos nas classes prioritárias. Desta forma, praticamente todos os produtores da região Norte passaram a ser considerados prioritários para o FNO. A falta de priorização efetiva dos recursos tem levado a uma concentração do crédito para beneficiários de maior porte e com contratos de maior valor, reforçando a escassez de crédito para pequenos produtores na região.

O Fundo Constitucional de Financiamento do Norte, uma das principais fontes de recursos de crédito na região, tem falhado em cumprir seus objetivos de estimular o desenvolvimento econômico e social.

A política de crédito rural inclui anualmente bilhões de reais em subsídios governamentais e pode ser fortalecida para incentivar maior intensificação da produção, adoção de boas práticas e sustentabilidade. Do ponto de vista econômico, a preservação da vegetação nativa nas propriedades rurais significa conservar bens públicos que, quando providos por agentes privados, são fornecidos abaixo do nível socialmente desejado. 

Isso ocorre porque os custos e benefícios privados diferem dos públicos. Nesse sentido, alinhar o apoio governamental ao crédito rural com objetivos ambientais e de redução do desmatamento incentiva a provisão desses bens públicos, justificando economicamente o direcionamento de recursos subsidiados ao setor agropecuário.

Uma parte expressiva dos recursos de crédito rural na Amazônia são direcionados para a atividade pecuária (ver figura acima), que em geral é pouco intensiva no uso da terra e frequentemente associada ao desmatamento. Dessa maneira, um primeiro passo para tornar o crédito rural mais eficiente para o controle do desmatamento na Amazônia é promover a entrada de novas instituições financeiras para aumentar a competição e a disponibilidade de recursos para atividades mais sustentáveis.

Além de ampliar o acesso ao crédito, é possível melhorar o direcionamento dos recursos, favorecendo produtores e municípios alinhados aos objetivos de sustentabilidade. Uma possibilidade é a política de crédito rural determinar condições diferenciadas de financiamento para produtores com práticas sustentáveis que constarão no Bureau Verde (Consulta Pública 82/2021), que está sendo implementado pelo Banco Central. 

Isso está em consonância com os objetivos do Bureau Verde e com a agenda BC# Sustentabilidade. Outros caminhos possíveis são direcionar recursos ou oferecer condições diferenciadas de financiamento para produtores que apresentem desmatamento zero nos últimos anos ou para produtores com imóveis regularizados ambientalmente e em conformidade com o Código Florestal.

Uma forma simples de direcionar o crédito para esses produtores com características socialmente desejáveis é permitir que tenham um aumento do limite de crédito. Essa alternativa não requer um aumento do volume total do crédito rural e nem recursos adicionais do Tesouro. 

Além disso, o acesso ao crédito para os produtores que não conseguem se caracterizar como sustentáveis pelos critérios estabelecidos não é interrompido, não havendo rupturas no financiamento da agropecuária.

Por outro lado, pode-se criar medidas de restrição de acesso ao crédito para produtores que não estejam atuando de forma regular. O Brasil já fez isso antes, em 2008, quando condicionou o acesso ao crédito rural no bioma Amazônia ao cumprimento de requisitos ambientais e de titulação de terras. A medida ajudou a conter o desmatamento no bioma, principalmente em municípios onde predominava a atividade pecuária.

De forma semelhante, a política pública atual pode restringir o acesso ao crédito aos produtores com multas ou embargos emitidos por autoridades de controle ambiental, limitando, assim, os recursos públicos subsidiados para aqueles que estão irregulares perante a lei. Pode, ainda, criar incentivos coletivos para a preservação ao restringir o acesso ao crédito em municípios que constam da lista de Municípios Prioritários para ações de prevenção, monitoramento e controle do desmatamento do Ministério do Meio Ambiente.

Portanto, a política de crédito rural pode ser aperfeiçoada para gerar fortes incentivos para aumentar a produtividade da terra e reduzir o desmatamento. A política de crédito pode também estimular a regularização das propriedades e a implementação do Código Florestal. Desta forma, será possível alcançar um equilíbrio entre atividades produtivas sustentáveis e a preservação da vegetação nativa e da biodiversidade na Amazônia.


 Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre os autores

Doutora em Economia pela PUC-Rio e coordenadora de Avaliação de Política Pública para Conservação no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Sua pesquisa avalia efetividade e impacto de políticas públicas de proteção florestal.
E-mail: [email protected]

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Doutora em Economia pela Yale University e coordenadora de Avaliação de Política Pública de Instrumentos Financeiros no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Sua pesquisa avalia os políticas públicas de crédito e seguro e seus impactos na agropecuária, uso da terra e meio ambiente.

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Doutora em Economia pelo Insper – São Paulo e analista sênior da área de Instrumentos Financeiros no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Atua em pesquisas que avaliam o impacto de diferentes políticas de crédito e seguro agrícola sobre uso da terra, produtividade agropecuária e meio ambiente.

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