Lançado nesta semana, novo documento aponta que regiões tropicais, como o Brasil, serão particularmente vulneráveis. Amazônia, Nordeste e a produção agrícola de todo o país já estão sendo e serão ainda mais afetados se temperatura escalar.

Toda a vida na Terra é vulnerável às mudanças climáticas, incluindo os ecossistemas e a civilização humana. Alguns ecossistemas são mais vulneráveis que outros, e a Amazônia já mostra sinais preocupantes.

O Grupo de Trabalho II (GTII) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) lançou um novo relatório nesta semana. O trabalho analisa as vulnerabilidades e as capacidades e limites dos sistemas naturais e humanos para se adaptar às mudanças climáticas e, assim, reduzir os riscos associados ao clima. O IPCC também faz propostas para criar um futuro sustentável para todos, traçando estratégias de mitigação e adaptação em todas as escalas.

Desmatamento para pecuária em Novo Progresso, Pará.

Os impactos já são fortes. A crise climática deixou de ser algo do futuro para impactar a vida terrestre hoje. Veja os exemplos no Brasil atual: a seca na região central do Brasil no ano passado, a intensificação dos eventos climáticos extremos, como as chuvas torrenciais em Petrópolis (RJ), na Bahia e em Minas ao longo dos últimos seis meses.

Temos muitas demonstrações claras de que a mudança climática já está ocorrendo, prejudicando as cadeias produtivas em todo o mundo. Cerca de 3,6 bilhões de pessoas estão vulneráveis hoje aos efeitos das mudanças climáticas, cerca de 50% da população do planeta.

Uma das conclusões importantes do novo relatório: “As mudanças climáticas estão afetando a natureza, a vida das pessoas e a infraestrutura em todos os lugares. Seus impactos perigosos são cada vez mais evidentes em todas as regiões do planeta. Esses impactos estão dificultando os esforços para atender às necessidades humanas básicas e ameaçam o desenvolvimento sustentável em todo o mundo.” 

O aumento dos eventos climáticos extremos está impactando negativamente as economias de muitos países. A mortalidade média observada por inundações, secas e tempestades é 15 vezes maior para países classificados como muito vulneráveis em comparação com países de vulnerabilidade muito baixa, que são  países ricos. O mundo terá 250 mil mortes a mais por ano até 2030. 

O relatório coloca que regiões tropicais, como o Brasil, são particularmente vulneráveis às mudanças climáticas. O calor e a umidade ultrapassariam os limites da capacidade de sobrevivência humana sem cortes nas emissões de gases de efeito estufa.

Duas regiões brasileiras são particularmente vulneráveis: o Nordeste, onde a queda de 22% na chuva, que já é pouca, combinada com aumento de temperatura de 3ºC a 4ºC, pode tornar a região semidesértica, e a Amazônia, o maior reservatório de carbono de todas as regiões continentais, que pode se tornar uma fonte de carbono, lançando parte dos 120 bilhões de toneladas que seu ecossistema contém, agravando o efeito estufa. 

No sudeste da Amazônia, a temperatura média já subiu 2,2ºC, o dobro da média mundial. A mudança da floresta tropical amazônica para pastagens secas poderá causar reduções de precipitação de 40% e quebrar a circulação da monção sul-americana. 

No sudeste da Amazônia, a temperatura média já subiu 2,2ºC, o dobro da média mundial. O relatório alerta que ao longo deste século, o aquecimento pode reduzir em 27% o fluxo para a bacia do Tapajós e 53% para a bacia do Araguaia-Tocantins (tributários da Amazônia). A mudança da floresta tropical amazônica para pastagens secas poderá causar reduções da precipitação de 40% e quebrar a circulação da monção sul-americana. 

A chuva em geral vai diminuir em todo o Brasil. Nosso sistema energético, bastante dependente da chuva e do clima, precisa ser redesenhado, com maior geração de energia eólica e solar, para aumentar a resiliência e os custos do sistema.

O Brasil tem que repensar o seu modelo de desenvolvimento econômico, pois a agricultura vai sofrer decréscimo de produtividade. Perdas fortes na produção de arroz, trigo e milho são projetadas. Nossas cidades e áreas costeiras também têm vulnerabilidades importantes que precisam ser equacionadas em um plano de adaptação climática.

O relatório do IPCC aponta que os riscos e as vulnerabilidades de nosso sistema socioeconômico são enormes, particularmente para a população mais carente e que vive em regiões de risco climático. Se quisermos construir uma sociedade minimamente sustentável, é fundamental que sejam implementados planos de adaptação, que contemplem também a redução das enormes desigualdades econômicas.

Se quisermos construir uma sociedade minimamente sustentável, é fundamental que sejam implementados planos de adaptação, que contemplem também a redução das enormes desigualdades econômicas.

O Brasil, signatário do Acordo Paris e em fase de implementação dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU, precisa levar a sério se quiser ter um potencial de crescimento econômico. Muitos dos impactos ambientais são irreversíveis, conforme explicitado no relatório do IPCC. 

A Amazônia joga um papel central nas mudanças climáticas para o Brasil e o planeta. Alguns dos compromissos brasileiros são de zerar o desmatamento amazônico até 2028, reflorestar 12 milhões de hectares até 2035, e se tornar neutro em carbono em 2050. O que fizermos com a Amazônia vai ser chave para o futuro do planeta. 


 Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS), e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

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