O carbono não é muito diferente de outros produtos de exportação da floresta: quando ficam lucrativos, atraem concorrência. Para se manter na vanguarda, estados amazônicos precisam diversificar sua base produtiva e continuar investindo para identificar novos negócios.

Os créditos de carbono estão ganhando destaque como uma das iniciativas que podem mitigar as mudanças climáticas. Em parte, essa atenção é fruto de sua capacidade de resolver uma grave falha de mercado que afeta florestas e bens públicos em geral. A floresta amazônica, por exemplo, captura carbono, abastece usinas hidrelétricas e produz os famosos rios voadores que irrigam lavouras em todo o país. Esses serviços geram enorme valor para seus beneficiários, mas a floresta não ganha nada com eles. Vista assim, ela se comporta como uma galinha dos ovos de ouro que recebe bons tratos em um quintal, mas põe seus ovos no ninho do vizinho. 

Os créditos de carbono ajudam a resolver esse problema, pois convertem os serviços ambientais em um produto padronizado – nesse caso, a tonelada de gás carbônico equivalente (tCO2e) sequestrada ou não-emitida – que pode ser trocado por dinheiro vivo.

A atenção dada aos créditos é fruto também de sua capacidade de atrair aliados influentes sem conexão histórica com a floresta. Empreendedores ligados às tecnologias digitais, por exemplo, querem registrar os créditos em blockchain, emitir tokens e oferecê-los em plataformas de comércio eletrônico. Do mesmo modo, banqueiros e traders querem vender e revender não só os créditos como também contratos no mercado de futuros, opções e outros derivativos. 

Quando uma atividade dá lucro, ela atrai a concorrência. Pode demorar alguns anos ou mesmo décadas, mas não há escapatória. Foi assim com a borracha nativa, está sendo assim com a pecuária e deverá ser igual com os créditos de carbono. 

Essa inovação e alianças são promissoras e merecem o destaque que recebem. Visto por outro ângulo, porém, os créditos não são tão diferentes de outros produtos que são ou já foram exportados pela Amazônia, como a borracha nativa no século 19 e a carne bovina nos dias de hoje. Uma breve análise da trajetória desses produtos nos ajuda a entender como os créditos de carbono podem contribuir com o futuro da região.

A exportação de borracha nativa cresceu de forma acelerada a partir de 1860, quando EUA, Inglaterra e outros países precisavam dessa matéria-prima para produzir pneus, tubos flexíveis, tecidos impermeáveis e outros equipamentos. Essa atividade prosperou por 50 anos, mas os bons tempos chegaram ao fim em 1912, quando plantações estabelecidas pelo governo inglês nas suas colônias na Ásia começaram a produzir grandes volumes de borracha barata.

A pecuária na Amazônia ainda segue forte. De fato, o rebanho da região cresceu quase 10 vezes entre 1974 e 2019. Ainda assim, a recente arrancada do setor de carnes vegetais representa um sinal de perigo. Nos EUA, esse segmento cresceu 18% em 2018 e 45% em 2020. Na Europa, as taxas foram parecidas. É possível que o consumo de proteínas vegetais permaneça um nicho, sem ameaçar a vitalidade da pecuária convencional. Mas é possível também que o preço das proteínas caia de forma vertiginosa nos próximos anos e arrase com a criação de animais em cativeiro. 

Essas histórias sugerem duas lições importantes. Primeiro, quando uma atividade dá lucro, ela atrai a concorrência. Pode demorar alguns anos ou mesmo décadas, mas não há escapatória. Foi assim com a borracha nativa, está sendo assim com a pecuária e deverá ser igual com os créditos de carbono. 

No caso do carbono, a concorrência mais óbvia origina-se em países com clima tropical, como Peru, Colômbia e Indonésia, que oferecem seus próprios créditos de base florestal. Mas a concorrência mais perigosa deve originar-se de países industrializados como EUA, Alemanha e China. Eles são os maiores emissores de gases de efeito estufa e também os principais compradores em potencial dos créditos de carbono produzidos no Brasil. 

Por isso, muitas de suas empresas estão buscando formas de emitir menos carbono enquanto outras estão investindo em tecnologia para capturar o carbono antes que ele escape de suas chaminés. Ainda mais, essas empresas recebem apoio dos seus governos, que financiam a pesquisa e regulam o mercado de forma a proteger a produção doméstica.

A Tesla, por exemplo, faturou mais dinheiro vendendo créditos de carbono do que veículos, pois o governo da Califórnia obriga fabricantes de veículos convencionais a compensar suas emissões usando créditos produzidos no próprio estado. Graças a esse tipo de esforço, países ricos conseguirão reduzir suas emissões e capturar seu próprio carbono de forma cada vez mais barata. E conforme isso acontece, diminuirá a demanda por créditos produzidos nas florestas tropicais.  

A segunda lição é ainda mais importante: se não pode vencê-los, junte-se a eles. Em janeiro de 2022, grupos de pecuaristas brasileiros organizaram protestos contra uma campanha publicitária que sugeria segunda-feiras sem carne. É possível que os grandes frigoríficos tenham apoiado esse movimento, afinal vivem de abater os animais. Mas eles também estão se precavendo. Nos últimos anos, a JBS comprou a Vivero, uma empresa de carnes vegetais sediada na Holanda, sua subsidiária Seara lançou a marca “Incrível” de carnes vegetais, e a Marfrig juntou-se com a ADM para produzir hambúrgueres vegetais. 

A Amazônia deve aproveitar ao máximo os ganhos criados pelos créditos de carbono, mas deve fazer também o que empresas como a JBS e a Marfrig estão fazendo: usar parte do dinheiro para prospectar oportunidades em setores diferentes, incluindo aqueles que ainda nem existem, e ter a disposição de transferir recursos dos setores em declínio para setores promissores.


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Sobre o autor

Salo é professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas relacionadas à administração pública e desenvolvimento econômico. Formado em Administração Pública pela FGV, com mestrado em Direito e Diplomacia pela Fletcher School da Tufts University (EUA) e doutorado em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde março de 2020, é pesquisador associado do projeto Amazônia 2030.

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