As eleições de 2022 serão chave se quisermos um Brasil que valoriza a vida, a sustentabilidade e a gestão adequada da crise climática nos próximos anos.

Começou 2022, forte candidato ao ano mais importante do ambientalismo no Brasil. O resultado das eleições de outubro para governos federal e estaduais definirá a nossa chance de colocar o país no rumo de metas climáticas ambiciosas e necessárias para 2030, ou de amargar as consequências de um país despreparado para o aumento de prejuízos causados por eventos climáticos extremos.

Se perdermos mais quatro anos com a exaltação à destruição e morte que vivenciamos desde 2019, não haverá milagre que consiga fazer o Brasil recuperar o tempo perdido nas eleições seguintes, para o período de 2027-2030.

Os últimos três anos representaram um gigantesco passo para trás no combate e na adaptação às mudanças do clima no Brasil. Basta citar odesmatamento fora de controle (na Amazônia e Cerrado), e a pressão para aprovar regras que privilegiam modelos econômicos que mantêm esse padrão destrutivo. No legislativo não houve apenas ameaças, já que o Congresso Nacional aprovou, por exemplo, a Lei n.º 14.182/2021, derivada da chamada Medida Provisória da Eletrobras. 

Essa lei obriga a ampliação do uso de gás natural no país, um combustível fóssil, para geração de energia em termelétricas. Segundo estimativa do IEMA (Instituto de Energia e Meio Ambiente), a implementação desta regra aumentará em 33% as emissões de gases do efeito estufa de todo o setor elétrico registradas em relação ao ano de 2019. Essa fonte adicional de energia começará a ser entregue entre 2026 e 2030, mas será esse próximo governo que deverá fazer investimentos de estruturação para que isso ocorra. 

Ou seja, para evitar a poluição adicional da matriz energética brasileira, os parlamentares eleitos precisariam revogar essa regra já em 2023. Investir em combustíveis fósseis desvia o uso de recursos públicos que devem ser canalizados para ampliar a oferta de fontes de energia eólica e solar. Como disse o cientista Michael Mann em seu livro “The New Climate War”, não se resolve o problema de combustíveis fósseis (petróleo e carvão) adotando outro combustível fóssil (gás natural). 

O reforço dos parlamentares e do governo federal às fontes de energia poluentes não parou por aí. O Congresso aprovou no final de 2021 outra lei que também resultará em prejuízos ambientais e financeiros. Sancionada em janeiro, a Lei n.º 14.299/2022 prorroga até 2040 o funcionamento de termelétricas movidas a carvão mineral no complexo de Jorge Lacerda em Santa Catarina. Sendo uma fonte de energia cara e extremamente poluente, a tendência esperada seria de desativação dessas usinas. Mas sua prorrogação implicará em um custo de R$ 840 milhões, segundo a Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace). E sabe quem paga por esse custo? Todos nós consumidores de energia no país!

Quem assumir cargos no executivo e no parlamento para 2023-2026 precisará ir além da reconstrução das políticas ambientais desmontadas ou da revogação de absurdos legislativos. Precisará fazer muito mais, pois necessitamos de políticas inovadoras que conduzam o país rumo a um 2030 de baixo carbono. Chegar em 2030 com um corte substancial de emissões é passo essencial para termos chance de alcançar emissões líquidas zero em 2050, sem implicar em altos custos socioeconômicos. 

É por isso que convoco todos a compartilharem com suas redes (presenciais e digitais) a necessidade do voto em candidaturas compatíveis com a vida, com a conservação ambiental e com a gestão da crise climática.

Essa missão vale tanto para cargos eletivos federais quanto estaduais. Afinal, vários governos e legislativos dos estados deram exemplos de sua falta de alinhamento com o século 21. Um dos casos foi a redução de quase 220 mil hectares de áreas protegidas estaduais em Rondônia, aprovada pela Assembleia Legislativa do estado e sancionada pelo governador. Felizmente, essa lei foi suspensa em novembro de 2021 pelo judiciário. Mas ainda não há sinais de retirada de invasores das unidades de conservação, que deveria ser uma ação do governo de Rondônia.

O Pará deu exemplos contraditórios. Apesar de os deputados estaduais terem aprovado uma lei estadual de mudanças climáticas em 2020, também aprovaram uma nova lei de terras em 2019 com dispositivos que podem estimular e beneficiar a grilagem de terras e gerar mais desmatamento. Mais recentemente, também criaram o dia do garimpeiro no estado. Esse fato, que pode parecer menos relevante, ganha importância num estado que tem sido um dos epicentros do garimpo ilegal em terras indígenas, juntamente com Roraima. 

Segundo um parecer legislativo que avaliou o projeto de lei paraense, com a atividade garimpeira “já proibida e fiscalizada pelos órgãos ambientais pela devastação desordenada e perigosa que provocam, poucos são os garimpos que resistem hoje”. O parecer conclui pela aprovação da homenagem à bravura dos que se arriscam nessa atividade, mesmo reconhecendo que se trata de algo ilegal, prejudicial ao meio ambiente e de mortes de vários que se arriscam no garimpo. 

Trata-se de mais um exemplo da ode à destruição que permeia os poderes executivos e legislativos quando se trata de Amazônia. Ninguém deveria arriscar a própria vida e a de outros para buscar sustento, e os governos não deveriam louvar ou incentivar essa atitude. Seu papel é desenvolver políticas públicas que garantam dignidade e protejam a vida. E sabemos que o garimpo está longe de ser uma atividade movida pela necessidade de subsistência, considerando os custos milionários envolvidos.

Além disso, é equivocado minimizar o impacto atual dos garimpos no Pará. Segundo levantamento do MapBiomas, do total de área minerada no estado (110.209 hectares), 69% é ocupado por garimpo e 31% por mineração industrial. Estão no Pará oito das dez unidades de conservação com maior atividade garimpeira, além da segunda maior área indígena alvo de garimpo (Terra Indígena Munduruku). Devido ao uso de mercúrio na garimpagem, 6 em cada 10 Mundurukus possuem níveis de mercúrio acima dos limites seguros, de acordo com a Fiocruz e WWF.

E poderia continuar citando exemplos de medidas do executivo e legislativo incompatíveis com a sustentabilidade em todos os estados da Amazônia nos últimos anos.

É por isso que convoco todos a compartilharem com suas redes (presenciais e digitais) a necessidade do voto em candidaturas compatíveis com a vida, com a conservação ambiental e com a gestão da crise climática. Não podemos continuar exaltando a política da destruição e da morte. Mesmo que a principal causa que motiva seu voto não seja o meio ambiente, busque saber a posição de quem você pretende votar sobre temas como mudanças climáticas e desmatamento. 

Falo isso agora em janeiro, pois essa será uma tarefa para nos dedicarmos ao longo desses nove meses que precedem as eleições. Quanto mais cedo esses temas surgirem aos pré-candidatos e quanto maior for o número de pessoas questionando, maior a chance de vermos suas posições e de que eles busquem informações adequadas para se posicionarem.

Finalizo com uma frase que falo quando me perguntam sobre ações individuais para uma vida mais sustentável: não adianta parar de usar canudinho e sacola plástica se você apoiar candidatos e políticos que promovem destruição ambiental. Seu voto é a atitude mais importante para promover a sustentabilidade.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Advogada, mestre e doutora em Ciência do Direito pela Universidade Stanford (EUA). Nascida e residente em Belém (PA), é pesquisadora associada do Imazon, atuando há 18 anos para o aprimoramento de leis e políticas ambientais e fundiárias para conservação da Floresta Amazônica.

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