Quanto mais Bolsonaro se enfraquecer, mais 2022 poderá virar o Baile da Ilha Fiscal da devastação.

Tarcísio Feitosa, um dos dois brasileiros a ganhar o prestigioso Prêmio Goldman do meio ambiente, comentou a estimativa do desmatamento de 2021 com um tuíte discreto e preocupado. Enquanto a comunidade ambientalista (mas, estranhamente, não a imprensa) se escandalizava com os 13.235 km2 que o governo escondeu durante a COP26, o ativista paraense lembrava na rede social que ano que vem tem eleição.

Em anos eleitorais, historicamente, a devastação na Amazônia sobe. Isso se deve a uma cascata ascendente de pressões para aliviar a barra para o crime ambiental. Ela começa nos palanques municipais, nos quais os prefeitos frequentemente são apoiados por grileiros, garimpeiros e madeireiros (quando não são eles próprios representantes desses setores); escala para os parlamentos estaduais e o Congresso Nacional, cujos membros apertam os governadores. Estes desaceleram a fiscalização das secretarias de meio ambiente, facilitam licenciamentos, desmobilizam a PM e a polícia florestal. E aí a motosserra canta.

Esse jogo mudou a partir de 2006, quando o Ibama estava tão empoderado na esteira do PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, lançado em 2004) que as pressões locais e regionais deixaram de se refletir nas taxas de desmatamento do sistema Prodes, do INPE. No ano das eleições municipais de 2012 a Amazônia teve o desmatamento mais baixo da história e, na conturbada eleição de 2014, o segundo mais baixo.

A situação mudou em 2018. A perspectiva de eleger um presidente que jurava acabar com a “indústria da multa”, que viajou a Rondônia com sua bolsa de colostomia para defecar pela boca que o Brasil tinha “áreas protegidas demais” e que jurou não demarcar “nem mais um centímetro” de terra indígena ou quilombola criou uma expectativa no chão da floresta. E a motosserra cantou: Bolsonaro foi eleito em primeiro turno em todos os municípios mais desmatados da Amazônia

O Prodes de 2021 é a coroação de todos os esforços do regime para destruir as estruturas de controle de desmatamento. Nunca antes nos 32 anos da série histórica do INPE houve quatro anos seguidos de alta, e nunca antes um presidente da República viu três altas consecutivas em um mandato.

A aceleração do corte raso na antecipação de um “libera geral” sob o capitão causou os números altos do segundo semestre que se refletiriam na taxa de 2019. Aquele ano viu a maior elevação percentual da devastação neste século (34%), com uma taxa que ultrapassou os 10 mil km².

O Prodes de 2021 é a coroação de todos os esforços do regime para destruir as estruturas de controle de desmatamento. Nunca antes nos 32 anos da série histórica do INPE houve quatro anos seguidos de alta, e nunca antes um presidente da República viu três altas consecutivas em um mandato. É trágico, além do número em si, que isso ocorra apesar de meio bilhão de reais torrados em operações militares de mentirinha, mas é isso que vocês ganham por terem votado no Mito e no Mourão.

O “ano fiscal” do desmatamento de 2022 começou em agosto, com queda no número de alertas do Deter, o sistema rápido, mas míope do INPE, que serve para orientar a fiscalização (qual mesmo?), mas deixa passar muito desmate por conta da resolução menor de seus satélites. Os índices do Deter tiveram uma queda em agosto e altas em setembro e outubro. Agora começa o “inverno”, a temporada de chuvas na Amazônia. Só a partir de maio teremos uma noção mais clara da tendência do ano que vem, mas nada autoriza a dizer que haverá queda.

Na verdade, pode ser que ocorra o oposto.

Se em 2018 a perspectiva da eleição de Bolsonaro animou os ladrões de terra pública e acelerou o desmatamento, a perspectiva inversa, mas com o mesmo resultado, pode ocorrer em 2022. Quanto mais o presidente definha nas pesquisas, mais medo a turma do correntão terá do fim da mamata a partir de 2023. Isso é um estímulo a avançar sobre as terras e desmatar tudo o que se pode enquanto dá. 

A ameaça da saída de Bolsonaro do Planalto pode causar uma espécie de “Baile da Ilha Fiscal” da destruição, o que levaria o desmatamento ao quinto ano de alta seguido. Incrível, mas não improvável.

Qualquer candidato que queira fazer frente a Bolsonaro no ano que vem terá de dizer o que pretende fazer para proteger a Amazônia, como cumprir as metas do Acordo de Paris e como garantir que o Brasil poderá continuar exportando para Europa, Estados Unidos e quiçá China, clientes que já discutem ou sinalizam que discutirão boicotes a commodities produzidas com destruição da floresta. Até mesmo a segunda via da extrema direita, Sergio Moro, já andou posando de escandalizado com as taxas do Prodes (as mesmas que, como ministro da Justiça, ele nada fez para conter).

É natural, portanto, que um novo governo, seja ele qual for, comece em 2023 com medidas duras de combate ao crime ambiental, alguma ressurreição do Ibama e uma meia-dúzia de patriotas de Novo Progresso, Altamira e Lábrea na cadeia. 

Talvez seja essa, afinal, a herança positiva do bolsonarismo: colocar a Amazônia onde ela pertence, que é o centro das atenções do país. Ainda que por vias muito tortas.


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Sobre o autor

É coordenador de Comunicação do Observatório do Clima e autor de "A espiral da morte – como a humanidade alterou a máquina do clima" (Cia das Letras, 2016).

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