A criação de uma governança e de um sistema jurídico globais que possam cobrar empresas e governos pelo colapso climático não foi pauta da cúpula.

Há vários tópicos importantes que deveriam estar em plena discussão na COP26, mas que nem sequer entraram na agenda ou estão sendo discutidos de forma periférica.

A adaptação às mudanças climáticas é um tópico que ficou marginal nas discussões de todas as COPs – na COP26, focou-se em mitigação de emissões. Mas adaptação é urgente em muitas partes do nosso planeta, onde milhões já sofrem com as mudanças no ciclo hidrológico e com as ondas de calor. Grandes áreas do Nordeste brasileiro já sofreram aquecimento de 2,4 graus, com queda de 15% da chuva, que já era pouca. A adaptação aos extremos climáticos, no setor de geração de energia elétrica e em nossas grandes cidades para evitar inundações e racionamento de água pelas secas, não pode ser mais adiada. Mas como isso afeta mais os países em desenvolvimento, não entra seriamente na pauta.

Uma questão importante é de quem paga essa conta. Qual o papel das gigantes do petróleo (Exxon, Shell, Chevron, BP, Total, Saudi Aramco, entre muitas outras, até a nossa Petrobras) no pagamento da gigantesca conta dos problemas que a queima de combustíveis fósseis causou ao planeta? Estas poucas companhias lucraram centenas de trilhões de dólares ao longo dos últimos 30 anos e são responsáveis por 87% das emissões. Elas não teriam que pagar uma parte do prejuízo social e econômico? Mas os recursos para o pagamento das estratégias de adaptação e mitigação saem dos governos, ou seja, de impostos pagos pela população em geral. É justo? É correto? Isso sequer está em discussão nas negociações. 

Estas poucas petrolíferas são as responsáveis por 87% das emissões. Elas não teriam que pagar uma parte do prejuízo social e econômico? Mas os recursos para o pagamento das estratégias de adaptação e mitigação saem dos governos, ou seja, de impostos pagos pela população em geral. É justo? É correto? Isso sequer está em discussão nas negociações.

As negociações dos governos encobrem o papel e a responsabilidade dessas grandes empresas. Os membros dos conselhos administrativos destas companhias não teriam que responder legalmente e criminalmente pelos prejuízos que fizeram à população de nosso planeta? A questão da chamada litigância climática está crescendo rapidamente, e os sistemas judiciais dos países têm que se preparar para lidar com enxurradas de ações que poderão ser desencadeadas.

Governança global é outro tópico essencial, mas muito pouco discutido. A pandemia da covid-19 nos mostrou que questões globais devem ser enfrentadas com estratégias globais, e não país por país, estado por estado ou município por município. A fragmentação do enfrentamento de questões globais torna o sistema pouco eficiente e gerador de desigualdades sociais.

A ONU não foi desenhada e nem tem mandato para lidar com uma questão tão complexa como as mudanças climáticas. As metas dos países são voluntárias e não pode ser assim em uma emergência climática. Falta um sistema jurídico global que possa punir países e corporações que não cumpram suas metas. É preciso um sistema jurídico global que possa cobrar ações de grandes corporações e empresas, além das ações (ou falta delas) dos governos. Isso não pode ficar nos sistemas jurídicos de país por país, individualmente.

Falta um sistema jurídico global que possa punir países e corporações que não cumpram suas metas.

Outra discussão essencial que não está na pauta é a de que o sistema socioeconômico que nos trouxe a esta situação de esgotamento de recursos naturais do planeta não é sustentável, mesmo a curto prazo. Como mudar (ou reformar) este sistema econômico baseado na superexploração dos recursos naturais do planeta? Mudar este sistema para qual outro sistema sustentável?

Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU dão algumas direções para a construção de uma sociedade mais sustentável, mas dentro do atual sistema. Mas este atual sistema econômico pode ser transformado em algo minimamente sustentável em nível planetário e para 10 bilhões de pessoas em 2050? São questões importantes que precisam estar em cima das mesas de discussões e negociações.

Crises são importantes para mudanças de direção. O atual sistema econômico é baseado em grandes desigualdades sociais. Como juntar a questão do enfrentamento das mudanças climáticas com a criação de um planeta mais justo e equitativo? Onde diferenças de gênero e raça deixem de ser importantes, e desigualdades econômicas sejam reduzidas?

São perguntas e tópicos essenciais na construção de um planeta sustentável, mas que não foram endereçados na COP26.


O físico e professor da USP Paulo Artaxo, membro do IPCC, está escrevendo sobre a COP26 especialmente para o PlenaMata, direto de Glasgow. 

Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS), e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

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