O mundo já enfrentou e venceu uma crise ambiental grave: o buraco na camada de ozônio. O que essa mobilização pode ensinar para deter o colapso climático.

No final dos anos 1980, o mundo enfrentava uma crise ambiental sem precedentes  que ameaçava a sobrevivência da nossa espécie. Os clorofluorcabonos (CFCs) usados em refrigeração, latas de aerossol, extintores de incêndio e diversos equipamentos na indústria e agricultura estavam se acumulando na atmosfera e destruindo a camada de ozônio. Em 2014, porém, o consumo global de CFCs foi de apenas 6,9 mil toneladas, uma redução de 99,5% em 25 anos. Qual o segredo desse sucesso e o que ele pode ensinar para a atual e urgente tentativa de diminuir o uso de combustíveis fósseis nos dias de hoje? 

Cientistas tinham dado o alarme sobre CFCs nos anos 1970, mas a ação não foi imediata. Como é fácil de imaginar, muita gente duvidava que o fenômeno fosse real. Afinal, os cientistas tinham previsto que a camada de ozônio iria começar a desvanecer-se em áreas tropicais onde o sol bate mais forte, porém estudos subsequentes identificaram que o buraco na camada de ozônio era mais pronunciado sobre a Antártica. E mesmo se houvesse consenso sobre o problema, ninguém tinha uma boa solução. 

Do lado técnico, muitas indústrias que dependiam de CFCs diziam não ter substitutos viáveis. E do lado político, os países hesitavam em tomar uma ação unilateral, pois os CFCs agem de tal forma que mesmo uma pequena quantidade liberada na atmosfera pode destruir grandes volumes de ozônio. A mobilização popular levou o governo dos EUA e de alguns países da Europa a regular alguns usos de CFCs em seu território, mas em pouco tempo o consumo mundial voltou a crescer. 

Em 1985, 28 países assinaram a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio. Essa convenção continha promessas de cooperação em pesquisa e troca de informações, mas não criava obrigações específicas. Em 1987, ela foi complementada pelo Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio. Por alguns anos após a assinatura do Protocolo, o consumo de CFCs continuou a aumentar e atingiu 1,3 milhões de toneladas em 1989. Mas logo depois ele passou a cair e hoje ele está próximo de zero. Como foi possível reduzir o consumo de CFCs de forma tão pronunciada em um prazo tão curto?

Esse é o tema de um livro visionário escrito por Charles Sabel e Victor David a ser publicado em 2022 pela Princeton University Press com o título “Fixing the Climate: Strategies for an Uncertain World”. O seu argumento central é que o Protocolo de Montreal não foi um tratado internacional convencional, que busca identificar uma área de consenso mínimo entre os países. Pelo contrário, ele produziu resultados extraordinários porque foi estruturado de forma a criar um sistema de governança experimentalista.

Como foi possível reduzir o consumo de CFCs de forma tão pronunciada em um prazo tão curto? Esse é o tema de um livro visionário escrito por Charles Sabel e Victor David “Fixing the Climate: Strategies for an Uncertain World”.

Sistemas de governança experimentalista são a especialidade de Sabel (Victor é especialista em diplomacia ambiental). Uma mistura de explorador com evangelista, ele viaja pelo mundo encontrando esses espécimes, examinando suas entranhas e decifrando seu funcionamento. Segundo Sabel, esses tipos de sistema são muito mais comuns do que podem parecer, mas, por ignorância ou desatenção, sua presença passa despercebida. Pior, suas lições são frequentemente ignoradas. 

Sistemas de governança experimentalista são formas inovadoras de controlar e dirigir a ação humana. Eles são especialmente úteis em ambientes caracterizados por extrema incerteza e que demandam inovação, isto é, quando não é possível determinar de antemão qual o problema exato que estamos enfrentando, quais as possíveis soluções e qual o melhor caminho para implementá-las. 

O livro explica que sistemas de governança experimentalista costumam ser constituídos por quatro componentes. O ponto de partida é um consenso inicial sobre os grandes objetivos que os participantes querem atingir. Esse consenso é inevitavelmente superficial. No início do processo, ninguém sabe bem qual o problema que estão enfrentando ou a melhor forma de resolvê-lo. Participação, porém, é aberta, e novos atores são convidados a ingressar no sistema conforme sua experiência e expertise se revelam relevantes. 

Sistemas de governança experimentalista são formas inovadoras de controlar e dirigir a ação humana. Eles são especialmente úteis em ambientes caracterizados por extrema incerteza e que demandam inovação.

Segundo, as decisões são delegadas aos agentes que estão na linha de frente, e esses agentes são incentivados a interpretar o problema conforme a sua realidade local, experimentar diferentes soluções e observar os resultados. No caso do Protocolo de Montreal, a maioria dos agentes na linha de frente eram engenheiros de produção e engenheiros químicos empregados pelas empresas que fabricam ou usam CFCs.

Terceiro, os sistemas de governança experimentalista exigem que esses agentes expliquem a lógica e compartilhem o resultado de seus experimentos a um grupo de pares. No caso do Protocolo de Montreal, os pares eram outros agentes que também estavam na linha de frente, assim como autoridades regulatórias e pesquisadores independentes. Eles foram reunidos em comitês de opções técnicas, cada um dedicado a um tema específico, como solventes, refrigeração, aerossóis, e assim por diante.

Após examinar os dados, os revisores discutem seus achados em um painel de avaliação técnica e econômica. Por sua vez, os membros desse painel ajustam os grandes objetivos mencionados acima e publicam regras mais detalhadas de ação para guiar novos experimentos. Esse processo de revisão é essencial, pois é através dele que o aprendizado que ocorre na linha de frente influencia o planejamento de novas ações no ciclo seguinte.

Por fim, os sistemas de governança experimentalista incluem uma ameaça concreta de punição para quem não se engajar no exercício com boa vontade, bem como um prêmio para quem apostar na mudança. Esse tipo de incentivo é importante porque obriga os participantes a experimentar com novas soluções mesmo quando prefeririam manter o status quo.

A arquitetura experimentalista foge de forma radical do modelo convencional de ação. No modelo convencional, o planejamento envolve o estudo exaustivo de possibilidades, o estabelecimento de diretrizes detalhadas e a adoção de métodos de controle para garantir que os subordinados vão obedecer seus chefes. Nesse contexto, a implementação é vista como uma tarefa relativamente simples, quase automática. Os sistemas de governança experimentalista adotam uma lógica distinta, onde se aprende fazendo, mas não de forma isolada ou desorganizada. Pelo contrário, as tentativas são conduzidas sob a coordenação de uma autoridade central, que incorpora a lição de cada experimento nas diretrizes da organização. 

Sabel e Victor explicam em detalhes como esses princípios foram adotados no Protocolo de Montreal e como sua adoção permitiu a resolução rápida de uma série de problemas que pareciam insolúveis. Eles argumentam também que o Acordo de Paris já oferece uma base sólida para a ação internacional na área climática. Com ajustes, ele poderia se tornar um sistema de governança experimentalista e, portanto, uma máquina de superar obstáculos com soluções pragmáticas.

Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Salo é professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas relacionadas à administração pública e desenvolvimento econômico. Formado em Administração Pública pela FGV, com mestrado em Direito e Diplomacia pela Fletcher School da Tufts University (EUA) e doutorado em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde março de 2020, é pesquisador associado do projeto Amazônia 2030.

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