Não há como proteger a floresta nem os amazônidas sem enfrentar o crime. E não apenas o ambiental.
O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips escancarou a brutalidade da realidade amazônica. A região, apesar de considerada valiosíssimo patrimônio natural e cultural em discursos oficiais, foi abandonada pelo poder público. Está entregue à ilegalidade, à criminalidade e à violência.
Essa constatação não é novidade. Até meados dos anos 2000, a Amazônia era relativamente segura quando comparada com o resto do país. Desde então, a violência na região explodiu: 23 dos 100 municípios mais violentos do país estão na Amazônia.
O que tem se tornado cada vez mais gritante é o quanto essa explosão do crime está intimamente relacionada à destruição da floresta e ao enraizamento da ilegalidade. Aqui, sim, adentramos em um território menos familiar. Não que não exista vasta evidência anedótica sobre o assunto acumulada ao longo do tempo. Mas há muito que ainda não entendemos de maneira sistemática e robusta sobre essa complexa relação.
Um estudo do Instituto Igarapé dá um passo na direção desse melhor entendimento. Através de pedidos de acesso à informação e consulta a fontes públicas, os pesquisadores coletaram dados de mais de 350 operações da Polícia Federal de combate à criminalidade ambiental organizada na Amazônia entre 2016 e 2021. Ainda que sabidamente representem uma parcela minúscula dos ilícitos que ocorrem na região, esses dados trazem insights relevantes.
O levantamento permite vislumbrar um pouco da interconexão entre crimes ambientais e outras atividades ilícitas. O desmatamento ilegal está intrinsecamente ligado ao que o estudo considera as principais “economias ilícitas” da Amazônia: extração ilegal de madeira, mineração ilegal, grilagem de terras públicas e produção agropecuária que descumpre normas ambientais. Um resultado consistente com o que já conhecemos sobre as dinâmicas econômicas da região.
O que salta aos olhos, contudo, são os crimes não ambientais que figuram nos processos da Polícia Federal associados aos ilícitos ambientais. A desanimadora lista inclui fraude, corrupção, lavagem de dinheiro, homicídio, tráfico de drogas e associação com o crime organizado. Mesmo que não se saibam detalhes sobre como operam, são essas as atividades que facilitam, viabilizam e financiam o crime ambiental.
Nesse contexto, o risco individual enfrentado por aqueles que estão na Amazônia é enorme. Mas o preço pago coletivamente também é altíssimo. A capilaridade do crime na região deteriora o ambiente econômico e inibe a entrada de quem quer cumprir a lei. É custoso, arriscado e perigoso investir na Amazônia, empreender na Amazônia, estar na Amazônia.
Tudo isso é particularmente cruel com os jovens da região. Com pouco acesso à educação de qualidade e ante um mercado de trabalho que lhes é hostil, muitos veem no crime uma alternativa rentável de vida.
É imperativo investigar e punir aqueles que financiam e apoiam o crime ambiental — estejam eles dentro ou fora da Amazônia. É também essencial que se criem alternativas factíveis para os que estão na ponta, operacionalizando o crime.
Em paralelo, devemos sofisticar nossa compreensão sobre o que o Instituto Igarapé chama de “o ecossistema do crime ambiental na Amazônia”. Vemos as consequências desse ecossistema, mas precisamos entender a fundo seus mecanismos, seus agentes e suas nuances para estruturar estratégias capazes de desmantelar complexas redes criminosas.
A proteção da floresta e o desenvolvimento socioeconômico sustentável da Amazônia exigem o enfrentamento do crime. E para combater a criminalidade, é preciso ter estratégia de Estado, não de governo.
Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.