Zerar o desmatamento é perfeitamente possível e trará benefícios imediatos ao Brasil e ao mundo. Mas os governos estaduais, municipais, federal, judiciário e Congresso precisam agir em conjunto para esse compromisso valer na prática.
Uma importante proposta de resolução foi anunciada na primeira semana na COP26: a eliminação do desmatamento de florestas tropicais em 2030. Claro que temos que esperar o texto da resolução final a ser formalmente aprovado pelos governos, mas é importante citar e analisar esta proposta de resolução.
A correta implementação de políticas que levam rapidamente ao desmatamento zero é uma questão-chave. Os benefícios climáticos serão imediatos, e a preservação dos serviços ecossistêmicos realizados pela Amazônia trarão enormes benefícios para o Brasil. Dependendo dos mecanismos de implementação, os benefícios às populações indígenas podem ser importantes.
A eliminação de desmatamento de florestas tropicais em 2030 é evidentemente uma excelente iniciativa, pois não há estratégia de redução de emissões de gases de efeito estufa que seja mais fácil, barata e rápida do que reduzir desmatamento. A resolução foi aprovada até o momento por mais de 100 países, inclusive o Brasil, e é acompanhada da formação de um fundo que deverá financiar as ações dos países para que esta meta seja atingida. O documento chama-se “Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra”. Uma pergunta importante é: esta meta de termos desmatamento zero em 2030 é possível? A resposta clara é SIM.
Apenas três países são responsáveis por mais de 80% do desmatamento tropical: Brasil, República Democrática do Congo e Indonésia. Políticas bem monitoradas em somente esses três países facilitam a implementação do desmatamento zero. Mas não será fácil no Brasil vencer o lobby agrícola, com seus fartos subsídios. Grandes produtores, vendo as propostas de boicote a produtos brasileiros tomando força em todo o mundo, já dialogavam nesta direção. A medida tem que ser implementada com benefícios para as comunidades locais e indígenas e vai ser estratégica para reduzir a perda de biodiversidade em florestas tropicais. Atualmente, cerca de 23% das emissões globais de gases do efeito estufa vêm de mudanças de uso do solo e desmatamento. No Brasil, esse índice sobe para 47%, sendo quase 40% só de mudança no uso da terra na Amazônia.
O acordo prevê US$ 19,2 bilhões em recursos públicos e privados para ações ligadas à preservação das florestas, combate a incêndios, reflorestamento e proteção de territórios indígenas. Dos recursos privados, US$ 3 bilhões irão para a América Latina, por meio de um fundo destinado a garantir que as produções de soja e gado nas regiões da Amazônia, Cerrado e no Chaco sejam livres de desmatamento. O acordo deve prever medidas para impedir que produtos associados a desmatamento recebam financiamento privado e sejam comercializados internacionalmente.
Também destaca a importância dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais como protetores da floresta. Muitas companhias se comprometeram a eliminar investimentos em atividades ligados ao desmatamento. Mas o acordo não prevê punição para países que descumprirem seus termos. Sem prever mecanismos de controle e punição, qualquer acordo pode ser desobedecido facilmente e sem sanções.
Como a credibilidade internacional do atual governo brasileiro é muito baixa, é claro que somente assinar esse acordo não vai ser suficiente. Temos que demonstrar que o desmatamento vai cair através de medidas de comando e controle.
Os 4 principais pontos do Forest Deal incluem:
1) proteção a povos indígenas como ‘guardiões da floresta’;
2) promoção de uma cadeia ambientalmente sustentável de oferta e demanda de commodities;
3) financiamento para promoção de economia verde;
4) defesa de regulamentações que limitem financiamento e comércio internacional de produtos ligados ao desmatamento.
Estas medidas podem trazer mais oportunidades econômicas que prejuízos à agricultura brasileira. O acordo possivelmente limitará o uso econômico da Amazônia e demais florestas às atividades econômicas florestais, que não causam degradação como, por exemplo, o extrativismo sustentável para exportação de açaí.
Importante salientar também que este acordo tem que ser implementado com parcerias entre os executivos estaduais, municipais e federal, judiciário e o Congresso. Temos chance de que a lei e a ordem começam a valer na região amazônica já que atualmente 98% do desmatamento advém de ações criminosas e ilegais, incluindo invasão de terras públicas e áreas indígenas. Isso inclui o combate ao garimpo ilegal, uso de mercúrio e a exportação ilegal de madeira. O Brasil potencialmente tem muito a ganhar com esta resolução da COP26.
O físico e professor da USP Paulo Artaxo, membro do IPCC, está escrevendo sobre a COP26 especialmente para o PlenaMata, direto de Glasgow. Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.