Sozinha ou aliada à pecuária e agricultura, o plantio de espécies nativas contribui para produção de produtos madeireiros e não madeireiros, conservação da biodiversidade, melhoria e manutenção dos serviços ambientais e geração de emprego e renda para a população da Amazônia
O Brasil possui cerca de 560 milhões de hectares de florestas naturais e de 10 milhões de hectares de florestas plantadas, segundo dados de 2022 da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá). São números grandiosos, que colocam o país no centro do debate climático internacional.
A Amazônia, bioma que é o grande destaque dessa agenda global, tem cerca de 670 milhões de hectares, dos quais 57,7 milhões de hectares são de áreas de pastagem, segundo o MapBiomas. Destas, 44% se encontram em algum nível de degradação, segundo relatório do Observatório de Bioeconomia da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/ EESP). Isso significa baixíssima produtividade, já que a engorda bovina é bastante dependente de pasto de qualidade. São terras que precisam ser recuperadas, seja para a floresta, seja para a agropecuária.
Muitos especialistas têm se debruçado sobre pesquisas em relação ao uso do solo na Amazônia e em projeções que levam em conta as atividades que podem trazer maior retorno econômico, maior resiliência às mudanças climáticas e melhoria da qualidade de vida das populações que ali vivem e dependem das florestas e seus bens e produtos.
O estudo “A Nova Economia da Amazônia”, publicado em 2023 pelo World Resources Institute (WRI) com 76 especialistas de instituições científicas de diversas regiões do Brasil, mostra que é possível zerar o desmatamento e tornar desnecessária a abertura de novas áreas de pastagem na região com a recuperação das áreas degradadas e crescimento constante de produtividade em 1,5% ao ano. Seria possível, inclusive, haver realocação de áreas para agricultura em sistemas como o de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), tendo florestas plantadas com espécies nativas.
Do contrário, se for mantida a tendência atual de uso da terra na região nas próximas três décadas, o resultado seria um desmatamento líquido de 57 milhões de hectares, o que levaria a uma degradação sem retorno do bioma.
Esse não é o primeiro estudo e certamente não será o último a reforçar que, sim, é possível conjugar produção e conservação. E, nesse âmbito, a silvicultura de espécies nativas se mostra uma atividade econômica que pode conciliar diversos benefícios, incluídas aí a recuperação de áreas degradadas, boa saúde do solo, captura de carbono da atmosfera e geração de renda em médio e longo prazos para o país.
O mercado global para madeira tropical já tem demanda robusta, do qual o Brasil participa com apenas 10% da produção. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) , projeções indicam que a demanda por madeira até 2050 aumentará em todos os continentes e para todos os produtos florestais.
O projeto Verena, do WRI Brasil, em parceria com a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) e com apoio financeiro da Children´s Investment Fund Foundation (CIFF) e Fundação Good Energies e colaboração de dezenas de instituições do setor privado, academia e sociedades civil, mostrou que a silvicultura de espécies nativas é competitiva economicamente. Análise conduzida em propriedades rurais na Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica, comparando a silvicultura de espécies nativas e exóticas, apontou que a taxa interna de retorno mediana com árvores nativas foi de 12,9%, contra 11% para o eucalipto. Outro estudo, também liderado pelo WRI Brasil com apoio de diversos especialistas e pesquisadores, evidenciou a existência de grandes oportunidades para aumentar a produtividade das principais espécies nativas do Brasil, onde estimou-se um retorno de até US$ 2,39 para cada dólar investido em pesquisa sobre silvicultura das espécies nativas mais promissoras da Amazônia e da Mata Atlântica.
No entanto, o desenvolvimento da silvicultura de espécies nativas no país em larga escala demanda um marco regulatório e políticas públicas que incentivem e deem segurança ao produtor rural, empresas e investidores, financiamento público e privado, estudos de mercado e fomento à pesquisa e desenvolvimento. Em relação a este último, em 2021, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura lançou o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Silvicultura de Espécies Nativas (PP&D-SEN), com o propósito de promover o desenvolvimento científico e tecnológico para que essa atividade ganhe escala no Brasil comparável às principais cadeias produtivas, com foco em espécies da Mata Atlântica e da Amazônia.
O programa está articulado a uma rede de instituições de pesquisa, universidades e projetos públicos e privados e prevê, ao longo de pelo menos 20 anos, a implementação de uma rede de 20 sítios de estudo de longa duração (Rede SELD) na Amazônia e na Mata Atlântica, com 30 espécies já mapeadas segundo seu potencial econômico. Além de pesquisa, o programa também possui os pilares de capacitação e comunicação.
O PP&D-SEN atualmente executa projetos relacionados a:
- produção florestal, em três linhas de pesquisa: i. a de melhoramento florestal inclui biologia molecular, com propagação vegetativa e sementes/mudas; ii. já a linha de manejo florestal cobre ecofisiologia, modelagem florestal, práticas silviculturais e zoneamento topoclimático; e iii. a linha de tecnologia de produtos florestais, por sua vez, se dedica a produtos madeireiros e não-madeireiros.
- meio ambiente e paisagem: serviços ecossistêmicos e biodiversidade são as duas linhas de pesquisa desta frente.
- dimensões humanas: pesquisas sobre socioeconomia e políticas públicas. A primeira desenvolve análises de custos, estudos sobre a geração de empregos, produtos e mercados. Em políticas públicas, as prioridades são Código Florestal e marco regulatório.
O financiamento do PP&D-SEN está em fase de estruturação e negociação com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Recentemente, o programa recebeu apoio do Bezos Earth Fund para a implantação de dois sítios de pesquisa em áreas de parceiros do projeto, a realização de coleta de dados e estudos em campos experimentais que foram implantados nas últimas décadas, além de atividades de advocacy, disseminação, e fomento da silvicultura de espécies nativas em áreas degradadas nas unidades de conservação e no entorno delas.
Sobre os autores:
Miguel Calmon é Consultor Sênior da Iniciativa Global de Restauração do World Resources Institute (WRI) e colíder da Força-Tarefa Silvicultura de Nativas da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura; Daniel Piotto é professor e pesquisador da Universidade Federal do Sul da Bahia e Samir G. Rolim é pesquisador em Silvicultura de Espécies Nativas, da Amplo Engenharia em Belo Horizonte.
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