Este é o momento de enviar contribuições para o novo plano de combate ao desmatamento na Amazônia e pressionar governos estaduais a adotarem meta de desmatamento zero.

O governo federal colocou em consulta pública até o dia 26 de abril uma versão preliminar da 5ª fase do Plano de Prevenção e Combate ao desmatamento da Amazônia (PPCDam).  Lançado inicialmente em 2004, o PPCDam é considerado uma das grandes estratégias já implementadas pelo Brasil para combater o desmatamento. A redução de mais de 80% na perda florestal anual na Amazônia entre 2004 e 2012 ocorreu quando o governo priorizou e executou várias das ações previstas no Plano. 

Nessa nova fase do PPCDam, uma das grandes novidades é a meta de atingir o desmatamento zero até 2030. Tal compromisso já aparecia nos discursos do Presidente Lula e de ministros desde o início do mandato. Agora consta em um documento de governo. Mas ainda será importante formalizar essa meta como um objetivo do Brasil. Por exemplo, por meio de um decreto presidencial ou mesmo em uma nova submissão de compromisso brasileiro à convenção quadro de mudanças climáticas.

O Plano está dividido em quatro eixos:

Eixo I – Atividades produtivas sustentáveis;

Eixo II – Monitoramento e controle ambiental;

Eixo III – Ordenamento fundiário e territorial;

Eixo IV – Instrumentos normativos e econômicos.

A característica principal do PPCDam é colocar a tarefa de combate ao desmatamento no mais alto nível de governo, reunindo nesse esforço diferentes ministérios que podem atuar para conter ou aumentar esse problema ambiental. Este último aspecto é talvez o mais relevante do Plano, pois não adianta deixar o combate ao desmatamento apenas com órgãos ligados ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, se o restante das pastas da administração pública não compatibilizar suas políticas à conservação de florestas. 

Neste sentido, destaco o objetivo 11 do Plano, no Eixo III de ordenamento territorial e fundiário, que prevê alinhar o planejamento de grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura com os objetivos nacionais de redução de desmatamento. Este objetivo determina o fortalecimento da avaliação dos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental (EVTEA), bem como avaliação de impactos indiretos que os projetos podem causar à meta de desmatamento zero até 2030. 

De fato, projetos de infraestrutura implementados na Amazônia continuam a ser planejados ignorando avaliações que apontam sua inviabilidade ambiental ou econômica. Um caso recente é o asfaltamento da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus. Em 2022, o governo federal concedeu uma licença prévia para a obra, mas há estudos indicando que o asfaltamento impactará um território muito maior que o considerado até então. Por exemplo, ao invés de estimar impactos em uma distância fixa a partir da rodovia (como 10 km ou mesmo 50 km de suas margens), o licenciamento deveria avaliar a área que ficaria acessível ao mercado no caso de asfaltamento. Essa acessibilidade atrairia uma corrida para ocupação de novas áreas visando expansão da fronteira agrícola e especulação fundiária, aumentando o desmatamento.

Segundo avaliação publicada em 2022 pela iniciativa Amazônia 2030, a área de acessibilidade ao mercado com o asfaltamento da BR-319 abrangeria mais de 140 mil km², além de 49 territórios indígenas e outras 49 unidades de conservação. Apenas como comparação, a zona de impacto que considera apenas 10 km² a partir das margens da BR-319 corresponde a apenas 7.600 km²! Esses dados reforçam a importância da ação incluída no PPCDam para fortalecer a avaliação de EVTEA em obras sob licenciamento federal, e também a urgência de rever a licença prévia da BR-319.

Para ampliar a abrangência do objetivo 11 do PPCDam, considero que será importante adicionar um componente de articulação com governos estaduais, como aparece em outros eixos propostos no Plano. Há projetos que são estimulados ou mesmo licenciados por governos estaduais, que também podem afetar a meta de desmatamento zero. Por exemplo, em visita oficial à China em 14 de abril, o governo do Pará assinou Memorando de Entendimento com empresa de infraestrutura chinesa para construção da Ferrovia do Pará, visando aumentar o escoamento da produção mineral e agropecuária no estado. No entanto, antes de sinalizar a construção da ferrovia e assinar acordos, seria importante publicizar como o EVTEA deste projeto foi avaliado e como a construção dessa ferrovia impactaria a meta de desmatamento zero até 2030.

Ainda no tema de grandes empreendimentos, o esforço do PPCDam também precisa considerar a ameaça de enfraquecimento da legislação de licenciamento ambiental que persiste no Congresso Nacional. O PL 2.159/21, que está no Senado, já foi aprovado pela Câmara dos Deputados em agosto de 2021 e prevê diversas mudanças preocupantes. Por exemplo, o PL reduz a capacidade do poder executivo de demandar ajustes e medidas de mitigação apropriadas em processos de licenciamento. Caso seja aprovado, será uma barreira à implementação do objetivo 11 proposto no Plano.

Há ainda componentes essenciais do PPCDam que não foram incluídos no texto já divulgado, e que, de acordo com o governo, farão parte de um Plano Operativo a ser lançado após a consulta pública. Tratam-se das metas, prazos, projeção de resultados e indicadores de monitoramento. Estes elementos foram demandados explicitamente em 2022 no voto da Ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, como relatora em ação judicial que pediu a retomada do PPCDam (ADPF 760). Durante o governo Bolsonaro o Plano foi revogado e sete partidos políticos ingressaram com ação no STF para obrigar o governo federal a retomá-lo.

O julgamento da ADPF 760 ainda não foi concluído, já que houve pedido de vista. Mas o voto da relatora indicou que o Plano precisa ser retomado e ter um detalhamento operacional, incluindo descrição do orçamento disponível. Também demanda que o governo disponibilize em meio eletrônico atualização mensal das ações e resultados atingidos pelo Plano.

Essa transparência na implementação do Plano será essencial para permitir avaliações rápidas que possam corrigir falhas e deficiências. Afinal, zerar desmatamento exigirá ir muito além do que já foi feito no passado, quando o Brasil reduziu substancialmente a perda anual da floresta amazônica. Os desafios são imensos! 

Essa transparência na implementação do Plano será essencial para permitir avaliações rápidas que possam corrigir falhas e deficiências. Afinal, zerar desmatamento exigirá ir muito além do que já foi feito no passado, quando o Brasil reduziu substancialmente a perda anual da floresta amazônica. Os desafios são imensos! 

Brenda Brito, advogada, mestre e doutora em Ciência do Direito pela Universidade Stanford (EUA)

É improvável vermos ainda em 2023 uma queda acentuada do desmatamento, considerando o que já foi desmatado dentro do calendário atual de desmatamento, medido de agosto a junho. De agosto a dezembro de 2022, a área de alertas de desmatamento pelo sistema Deter foi 35% maior que a do mesmo período anterior. Ou seja, a taxa de desmatamento de 2022-2023 já está parcialmente “contaminada” pelo legado do governo anterior. 

Por isso, 2023 precisa ser o ano de criação das bases para uma queda expressiva e consistente de desmatamento a partir de 2024. Esse é um esforço de todos nós e vejo duas ações para a sociedade civil nesse momento. Primeiro, revisar e enviar nossas contribuições para a consulta pública do PPCDam, indicando quais áreas estruturantes ainda precisam ser contempladas. Segundo, pressionar os governos estaduais a publicarem novos planos estaduais de combate ao desmatamento que estejam alinhados com o desmatamento zero até 2030. Afinal, se os estados não alinharem suas políticas, discursos e ações para uma realidade sem desmatamento, será ainda mais desafiador conseguir resultados com o novo PPCDam.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Advogada, mestre e doutora em Ciência do Direito pela Universidade Stanford (EUA). Nascida e residente em Belém (PA), é pesquisadora associada do Imazon, atuando há 18 anos para o aprimoramento de leis e políticas ambientais e fundiárias para conservação da Floresta Amazônica.

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