Depredação e resíduos deixados por visitantes curiosos colocam em risco gravuras de povos pré-colombianos no sítio arqueológico Lajes

A seca extrema que reduziu a níveis históricos grandes rios amazônicos também revelou tesouros arqueológicos da região. No sítio arqueológico e geológico Ponta das Lajes, na margem esquerda do rio Negro, na zona leste de Manaus, a estiagem revelou pedras de até 2.000 anos atrás com rostos humanos, esculpidas pelos Povos Originários. Contudo, a riqueza histórica está sob ameaça. Visitantes curiosos e até mesmo especialistas podem colocar a descoberta em risco.

Um grupo de pesquisadores fez pinturas sobre as gravuras rupestres com a intenção de “ressaltar os atributos” e publicou as imagens nas redes sociais. O caso ganhou repercussão, destaca o g1, com críticas de todos os cantos. O que fez o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) alertar que intervenções no local precisam de autorização e acionar órgãos de fiscalização para evitar danos às figuras.

As pinturas foram feitas pelo historiador Otoni Mesquita. Após a repercussão negativa, o especialista afirmou, em nota, que usou argila natural no procedimento e pediu desculpas. Acompanhado de outras pessoas, ele esteve no local na terça-feira passada (24/10), quando Manaus celebrou 354 anos. No grupo, estava a professora Gisella Braga, que compartilhou as fotos da visita nas redes sociais.

“Meteram tinta nos desenhos sabendo que podem ser coisa muito antiga?”, escreveu um internauta. “Moça diz por favor que isso aí que vcs passaram nas gravuras rupestres não é tinta”, afirmou outro.

O historiador disse que levou papéis e outros materiais para coletar os registros arqueológicos, além de máquina fotográfica para fazer um registro mais próximo das gravuras. E que a pintura de argila que colocou sobre as gravuras visava deixar as figuras mais visíveis para fazer as fotos.

Depois da repercussão do caso, o IPHAN divulgou uma nota informando que tem feito fiscalizações na área do sítio Ponta das Lajes, com apoio do Instituto Soka Amazônia, em Manaus. E ressaltou que pessoas com interesse em pesquisas de campo e escavações devem enviar um projeto arqueológico ao Instituto, que vai avaliar o pedido e autorizar ou não o procedimento.

O episódio, porém, parece nada diante do que o Amazônia Real vem registrando. Desde 12 de outubro, o veículo acompanha um grande movimento de visitantes ao sítio arqueológico. Pescadores, religiosos, moradores de Manaus e turistas fazem piquenique e fogueiras para churrasco, deixando na área restos de comida, garrafas de plásticos e de vidro, entre outros resíduos. Até pneus de borracha de uma obra realizada pela Prefeitura de Manaus em 2021 também foram vistos nas águas do rio Negro, um impacto ambiental grave ao sítio milenar.

No sábado retrasado, a equipe do Amazônia Real visitou novamente o local e encontrou o motoboy Glafio Lima. Ele se dizia orgulhoso ao mostrar no celular uma fotografia de um pedaço de cerâmica milenar que levou como recordação do sítio. A cerâmica contém um desenho geométrico com traços circulares, diferentes das gravuras das caretas ou carinhas, comuns no Pontal das Lajes.

A indígena artista e arte educadora Uyra, reconhecida internacionalmente pelo filme “A retomada da floresta”, lembrou que o sitio é um patrimônio ancestral dos Povos Indígenas do rio Negro. “Toda vez que ele surge, com a seca extrema, é depredado por diversas vias, um reflexo de que é preciso maior atuação do IPHAN do Amazonas.”

Para a artista, “intervenções como essas [do historiador Otoni Mesquita], embora temporárias, acabam por estimular que mais gente vá ali e faça o que bem entender com algo ainda pouco conhecido”.

E compara: “Imagina se eu pintasse de barro a estátua do Tenreiro Aranha [primeiro governador da então província do Amazonas], na Praça da Saudade [Praça Cinco de Setembro, em Manaus]? Poderia responder por um crime ao patrimônio público”, questiona Uýra, destacando que “então, o que pedimos é respeito também aos  patrimônios de memórias indígenas. Esse é um direito nosso e dever de qualquer cidadão”.


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