Com a estiagem extrema a fazendo Bacia amazônica registrar mínimas históricas, falta de água e calor afetam especialmente o trabalho das mulheres indígenas no roçado

“Esse sol está deixando as mulheres doentes. Ninguém consegue mais ir pra roça como fazíamos antes. Não consigo mais plantar.” A fala de Virgília Arago Almeida, de 43 anos, indígena do Povo Tariana, à BBC define os efeitos da seca extrema na Amazônia. O calor e a falta de chuvas fizeram com que as mulheres na região do Alto Rio Negro, no oeste do Amazonas, alterassem suas rotinas seculares de trabalho na roça, colocando em risco a segurança alimentar de comunidades inteiras.

A tradição entre parte dos Povos Indígenas do Alto Rio Negro é que as mulheres são responsáveis pelo trabalho nos roçados, e os homens ficam encarregados da pesca e da caça. Sob a responsabilidade delas fica a plantação e a colheita de culturas como o cará e a mandioca. Homens também participam do trabalho na roça, mas em número bastante reduzido.

Virgília e outras mulheres disseram que a seca histórica deste ano fez com que elas tivessem que mudar a forma como vinham trabalhando as roças há diversas gerações.

Uma das principais alterações foi na jornada de trabalho. Comumente, as mulheres se encaminham às roças a pé ou de barco nas primeiras horas da manhã e trabalham até o final da tarde. Agora elas não conseguem mais suportar o sol escaldante.

“A gente não aguenta mais. Neste ano, a gente tenta fazer o nosso trabalho de 7h às 9h e depois só depois das 16h, quando o sol já está mais frio. A gente vai até onde aguenta”, conta Virgília.

“Do jeito que a gente trabalha, o sol está prejudicando a nossa saúde e o trabalho da roça. A gente vai só até certo momento porque não conseguimos aguentar mais o sol. Isso está mudando a saúde da gente”, completou a agricultora Madalena Fontes, indígena Baniwa que vive na comunidade Igarapé, no rio Içana, no município de São Gabriel da Cachoeira, também no Alto Rio Negro, no extremo oeste do Amazonas.

Com a rotina alterada por causa do calor extremo e da falta de água, as roças recebem menos cuidado que o ideal. Isso propicia o surgimento de pragas ou mesmo diminui a quantidade de mandioca plantada e colhida. O que é uma ameaça à segurança alimentar das comunidades.

Na quinta-feira passada (19/10), a Bacia do Rio Amazonas registrou novas mínimas históricas, divulgou o Serviço Geológico do Brasil (SBG). Em Manaus, o Rio Negro atingiu 13,29 metros, o nível mais baixo em 121 anos. A cota está um metro abaixo do que já é classificado como “seca extrema”, destaca o Um só planeta.

Em Itacoatiara, a mínima do nível do Rio Amazonas chegou a 90 centímetros. Em Parintins, a 1,90 metro, o menor registro em 49 anos, desde que a ilha começou a medição. Já o Solimões registrou o nível mais baixo em Manacapuru: 3,61 metros.

Em Porto Velho, capital de Rondônia, o rio Madeira atingiu sua mínima histórica no último dia 8, com 1,10 metro. Houve um aumento, para 1,85 metro, mas muito longe de volumes que façam a cidade retornar à normalidade.

E para desespero dos amazônidas, a previsão é que a situação não melhore tão cedo. O Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) preveem que a escassez de chuvas deve durar até o final de abril do ano que vem.


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