Aproveitando-se da estiagem extrema, políticos pressionam pelas obras da BR-319, rodovia que já causa desmatamento e queimadas mesmo antes de ser asfaltada

A rodovia BR-319 liga Manaus, no Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia, e tem cerca de 800 km de extensão. No governo Bolsonaro, houve intensa movimentação por obras na via, e no ano passado o IBAMA concedeu licença prévia para o asfaltamento do “Trecho do Meio”, de 405 km, o mais sensível ambientalmente. Com a vitória de Lula, a pressa foi substituída por cautela, apesar do desejo explícito do ministro dos Transportes, Renan Filho, de tirá-lo do papel. Agora, mais políticos usam a seca extrema que atinge a Amazônia para “passar a boiada”, nos moldes do governo anterior, e tirar as obras do papel.

Somente a promessa de pavimentação da BR-319 fez o desmatamento aumentar 122% na região entre 2020 e 2022, segundo um levantamento do Observatório do Clima. Somente no ano passado, o aumento foi de 110%. Em setembro, o recorde de queimadas registrado pelo estado do Amazonas foi puxado principalmente por incêndios ao longo da rodovia e de estradas estaduais secundárias ligadas a ela – AM-254, AM-354, AM-364 e AM-366 –, com fogo até mesmo em Áreas Protegidas, mostrou o InfoAmazonia.

Os dados, porém, não sensibilizam quem defende o asfaltamento da estrada. Um grupo que aumentou o tom se aproveitando da estiagem que vem secando vários rios amazônicos e, assim, dificultando o transporte hidroviário, o principal meio de deslocamento de pessoas e produtos da região.

A pavimentação do Trecho do Meio da BR-319 é apoiada pelo governo amazonense e por parlamentares do estado. Segundo o NEOFeed, o senador Eduardo Braga (MDB) disse que o desabastecimento da região, que vem ocorrendo pela seca dos rios, era efeito da “inexistência da BR-319” e da “questão ambiental” – a velha estratégia de politizar uma discussão técnica, que é a viabilidade (ou não) do asfaltamento de uma estrada em área de alta sensibilidade ambiental.

A obra da BR-319 não foi incluída no novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. No entanto, o presidente Lula determinou a criação de um grupo de trabalho para analisar a obra, o que promete ser mais uma disputa entre a área ambiental e a ala pró-obras-a-qualquer-custo do Executivo.

O asfaltamento da via preocupa pelos elevados impactos que pode causar em uma das regiões mais bem preservadas do bioma, destaca O Globo. Pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Lucas Ferrante aponta que a obra ainda pode piorar a crise climática, uma vez que o desmatamento com a pavimentação aumentaria a seca e seus efeitos negativos, inclusive o isolamento territorial.

Para dirimir de vez a narrativa política que usa a estiagem para pressionar pela obra, o pesquisador explica que os municípios amazonenses atualmente isolados pela seca não são ligados à BR-319. Ou seja, se a “boa intenção” dos políticos é asfaltar a via para aumentar o acesso a tais áreas, isso exigiria também a abertura de estradas vicinais – o que traria ainda mais destruição à floresta, como já vem ocorrendo em ramais estaduais, mesmo sem asfalto.


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