Símbolo da ditadura militar, rodovia abriu a Amazônia para desmatamento, grilagem, invasão de Terras Indígenas e garimpo ilegal. A BR-319 pode fazer o mesmo

Em setembro de 1972, o então presidente do Brasil, o general Emílio Garrastazu Médici, inaugurou em Altamira, no Pará, o primeiro trecho da BR-230, que ficou conhecida como rodovia Transamazônica. A megaobra de infraestrutura era um dos símbolos de uma visão desenvolvimentista da ditadura militar que comandava o país desde 1964, visão esta que associava o desenvolvimento da região amazônica à sua colonização, sem qualquer preocupação com preservação ambiental e com os modos de vida locais.

Projetada para ter extensão de mais de 8 mil km, a Transamazônica acabou com cerca de metade desse trajeto, entre Cabedelo, na Paraíba, e Lábrea, no Amazonas. E se a ideia dos militares com a rodovia era desenvolver a Amazônia, o resultado foi um rastro de destruição da Floresta Amazônica e de violência contra Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais.

O Globo Repórter mostrou como a expansão da Transamazônica abriu as portas para a invasão de Terras Indígenas, grilagem, garimpo, extração irregular de madeira, caça, pesca e desmatamento ilegais. Assim como para a expansão irregular da atividade agropecuária. Em uma região do Sudeste do Pará, por exemplo, o que se vê dos dois lados da estrada é pasto para alimentar gado.

A Transamazônica revelou riquezas até então escondidas, e elas atraíram atividades criminosas que deixaram cicatrizes ambientais e sociais profundas na região. Por isso, a rodovia deve servir de exemplo do que não fazer, num momento em que se discute e planeja a necessária expansão de infraestrutura na região amazônica.

Foi essa preocupação que fez com o que o governo deixasse fora do Novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) o projeto de asfaltamento do trecho do meio da BR-319, rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). Como lembra o g1, uma semana antes do anúncio do PAC, o presidente Lula visitou municípios e concedeu uma entrevista a rádios da região Norte. Questionado sobre a inclusão das obras no plano, Lula afirmou que a Casa Civil conduziria um estudo a respeito do tema.

“A questão ambiental é muito crítica nessa parte da Amazônia. O que nós decidimos agora no PAC? Ao invés da gente colocar de forma precipitada ou a gente dizer que não vai colocar de forma precipitada, nós decidimos construir um grupo especial para dar a palavra definitiva”, explicou Lula. De fato, o simples anúncio feito pelo governo anterior de que asfaltaria o trecho do meio da BR-319 fez o desmatamento mais que dobrar na região entre 2020 e 2022.

Mas há outro efeito ruim da BR-319: a extensão das estradas não oficiais que se ramificam a partir da rodovia de quase 900 km já é quase seis vezes maior do que ela própria, segundo uma nota técnica do Observatório BR-319 destacada pelo Um só planeta. Dos mais de 5.000 km da rede total de estradas, pelo menos 2.000 km foram abertos entre 2016 e o ano passado, principalmente nos municípios de Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá, explica Thiago Marinho, pesquisador do Instituto de Desenvolvimento da Amazônia (IDESAM).

A nota do Observatório sugere ações efetivas de fiscalização, por parte das instituições responsáveis; mas também a urgência no processo de destinação das florestas públicas. Outras recomendações são o incentivo ao manejo florestal comunitário; monitoramento e controle de Territórios Indígenas por parte do Estado; e o reflorestamento em áreas desmatadas no entorno da BR-319.


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