Vivemos momento que é resultado do capitalismo mercantilista e da colonização, impactando negativamente os povos indígenas e a natureza, sendo necessárias mudanças urgentes para preservar a nossa casa comum, a Terra.

Já é consenso entre os estudiosos que estamos vivenciando uma nova era geológica, o chamado “Antropoceno”. Essa era geológica é marcada pela destruição da nossa casa comum, a nossa mãe, o planeta Terra. Vivenciamos a perda da diversidade da vida, a biodiversidade do planeta. Enfrentamos uma crise climática, o desaparecimento das florestas, a contaminação das fontes de água, mares, rios, igarapés e lagos, bem como a destruição dos solos. Pandemias têm se tornado cada vez mais frequentes, colocando também em risco a vida humana. É importante ressaltar que tudo isso tem relação com ações humanas.

Então, quando e como essa era geológica passa a ser evidenciada? No caso das Américas, podemos dizer que, após 1500, com a chegada dos europeus, o capitalismo passa a ser o motor da colonização, e humanos (nativos) e natureza passam a ser vistos como mercadoria. Porém, é importante destacar que o processo de colonização e a chamada globalização não se limitam apenas a mercadorias, mas devem ser vistos como projetos de dominação cultural e territorial, possibilitando a apropriação do trabalho/energia não remunerada – o trabalho dos nativos e a exploração da natureza. Logo, o chamado “Antropoceno” pode também ser chamado de “Capitaloceno”. Esse é o termo que penso ser mais apropriado para nomear a era geológica que vivenciamos, pois nem todos os humanos contribuíram ou contribuem para a destruição do planeta; devemos destacar os detentores do grande capital, pois são os principais responsáveis pelo colapso que vivenciamos.

Logo, o chamado ‘Antropoceno’ pode também ser chamado de ‘Capitaloceno’. Esse é o termo que penso ser mais apropriado para nomear a era geológica que vivenciamos, pois nem todos os humanos contribuíram ou contribuem para a destruição do planeta.

Raquel Tupinambá

Destaco aqui que os meus antepassados, os povos nativos da Amazônia, usaram seus conhecimentos, ciência e tecnologia para produzir biodiversidade e agrobiodiversidade, promovendo fertilidade aos solos. As conhecidas Terras Pretas de Índio – TPI – são solos antropogênicos, ricos em nutrientes, essenciais para o manejo das plantas, o que evidencia essa relação entre humanos/natureza, esse cuidado com a nossa casa comum. Logo, eles não podem ser colocados no mesmo lugar dos colonizadores, dos comedores de terra, como disse meu parente, Davi Kopenawa.

O Capitaloceno Amazônico se desenvolveu através do capitalismo mercantilista do período colonial inicial e depois se intensificou durante a ditadura militar, que anunciou a consolidação do Estado moderno e a entrada do capital industrial na região. Ao longo das distintas fases da colonização, que constituem as investidas do Capitaloceno na Amazônia, desde as missões até os dias atuais, além da violência física, os povos indígenas sofreram e/ou sofrem violência epistêmica e ontológica.

Isso consistiu na repressão sistemática tanto de crenças, ideias, imagens, símbolos ou conhecimentos que não servem à dominação colonial, como das formas do saber, do ser e do produzir conhecimento. Os denominados “ditos evoluídos” ou “civilizados”, na verdade, são responsáveis por um modo de vida e visão de mundo que está destruindo a nossa casa comum, a nossa mãe, a Terra, as águas e a biodiversidade do planeta, colocando todos sob risco. Por isso, precisamos concordar quando se diz que os países da Europa têm uma dívida histórica com as Américas.

A principal causa do aquecimento global, ou como já tem sido chamado, a “ebulição global”, é a emissão de gases que ocasionam o efeito estufa, com destaque para o dióxido de carbono (CO2). Essa emissão acontece pela queima de combustíveis fósseis, sendo o petróleo um dos principais vilões. Por isso, precisamos mudar essa forma de geração de energia, já que a exploração de petróleo hoje representa a nossa morte.

No caso de países como o Brasil, com foco aqui na Amazônia, é crucial destacar a queima das florestas como fonte de CO2. A destruição das florestas, além de contribuir para a emissão de gases que agravam o efeito estufa, representa também a perda de biodiversidade. Quando olhamos para os biomas no Brasil, é triste constatar que, na Mata Atlântica, cerca de 75% de sua vegetação nativa já foi destruída, mais de 50% da vegetação do cerrado também já desapareceu e cerca de 20% da Amazônia, esse bioma que é considerado o coração do planeta pela sua importância para a vida.

Mas o grande capital não se importa com isso, e os governos vão na mesma linha. No Brasil, vivenciamos nos últimos anos, com o governo do ex-presidente Bolsonaro, o retrocesso da pauta socioambiental e a negação de direitos das minorias, com destaque para os povos indígenas, que sustentam a queda do céu, como disse Davi Kopenawa (2010). Diversas PECs e PLs da destruição ganharam força, destacando-se o PL 490, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, dentre muitos outros, que representam ameaças aos povos e ao meio ambiente. Ficou famosa a frase do então ministro do meio ambiente, hoje deputado federal, Ricardo Salles, “é hora de passar a boiada”, referindo-se às pautas de morte defendidas por eles. A sociedade foi podada de participar do governo. Importante também destacar que a sociedade civil foi enfraquecida, os conselhos que representavam essa sociedade foram destituídos.

E hoje? Temos um governo de centro-esquerda, e embora haja embate entre governo e oposição quando se trata da pauta socioambiental, sabemos que o Congresso e o Senado brasileiro estão fortalecidos com bolsonaristas. No entanto, o governo tem dado sinais de que está mais aberto ao diálogo. Portanto, é hora de a sociedade civil, dos movimentos sociais, pressionar o governo para que as mudanças aconteçam. É agora ou nunca para pararmos ou, pelo menos, minimizarmos a destruição da nossa casa comum. Ao falarmos do Brasil e da Amazônia, essa mudança é urgente, pois enfrentamos o agronegócio demandando cada vez mais áreas para o monocultivo de grãos, a contaminação do solo e dos seres humanos com os agrotóxicos e a poluição dos rios, destacando-se aqui o mercúrio no rio Tapajós e as mineradoras destruindo as florestas e o solo, além de poluírem as fontes de água. Nesse sentido, propostas como a transição agroecológica e produtos que promovam as florestas em pé, além do fortalecimento dos povos indígenas e tradicionais, surgem como possíveis soluções que o atual governo precisa fortalecer. O futuro é agora!


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Raquel Tupinambá é mulher indígena, agricultora e militante pelos direitos indígenas. É uma liderança de seu povo e coordenadora do Conselho Indígena Tupinambá do baixo Tapajós Amazônia (CITUPI). Além disso, é doutoranda em Antropologia Social.

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