Lula deveria convidar a peruana Rossy War e o paraense Félix Robatto para uma apresentação musical na Cúpula, que reunirá chefes de estado dos países da Pan-Amazônia em agosto. Explico no texto quem eles são e o porquê da sugestão.

Nos dias 8 e 9 de agosto, Belém sediará a Cúpula da Amazônia, reunindo chefes de estado de oito países que compõem a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). O encontro promete ser um momento importante para fortalecer a cooperação regional pelo desenvolvimento sustentável na Pan-Amazônia. Porém, há três semanas do evento, é alarmante constatar que poucos em Belém têm conhecimento sobre a Cúpula e que é mais fácil encontrar alguém na cidade que já tenha ouvido falar da COP30, reunião da Convenção Quadro de Mudanças Climáticas que só ocorrerá em 2025! 

Seria esse desconhecimento do evento uma desconexão no dia a dia entre o Brasil e os outros países que compõem a região da Pan-Amazônia? Acredito que não. Na verdade, há vários aspectos de forte ligação entre esses países na Amazônia, mas nem sempre são ligações positivas. Destacarei três deles, incluindo um que poderia ajudar muito a ampliar o conhecimento e engajamento local para a Cúpula da Amazônia.

O primeiro elo é o mais óbvio: a responsabilidade pela conservação da maior floresta tropical do mundo. Segundo o relatório do Painel Científico para a Amazônia, até 2018, 14% da Pan-Amazônia já estavam desmatados e outros 17% já estavam degradados

O Brasil possui a maior fatia do bioma amazônico (62%) e é responsável por 85% do desmatamento até 2018. Mas é sempre bom lembrar que são nove países que compartilham esse bioma. Além dos oito que participam da OTCA (Brasil, Bolívia, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Guiana, Suriname), também há a Guiana Francesa. Isso motivou o presidente Lula a convidar o presidente da França, Emmanuel Macron, para participar da Cúpula em agosto.

Tais números alarmantes de destruição ambiental acendem um alerta para evitar que a floresta chegue no chamado ponto de não retorno (tipping point), quando ela perderá a capacidade de manter o ciclo hidrológico que a sustenta. Esse limite é estimado entre 20 a 25% de desmatamento. Por esse motivo, um conjunto de organizações está propondo que a Cúpula da Amazônia em agosto deveria iniciar negociações para um tratado que evite o colapso deste ecossistema. Se tal sugestão for acatada, será talvez o principal resultado deste encontro que, até o momento, não possui objetivos concretos muito evidentes. 

O segundo elo cada vez mais forte entre os países da Pan-Amazônicos é a rota do narcotráfico e a criminalidade associada. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública identificou que cidades da Amazônia brasileira fazem parte de rotas chaves do narcotráfico, com início na Colômbia, Peru, Bolívia e Venezuela. As cidades de Altamira e Barcarena, no Pará, aparecem com destaque no levantamento.

Estudos do fórum e de outras organizações, como o Instituto Igarapé, também têm relatado o envolvimento de facções do narcotráfico na região com crimes ambientais, como garimpo ilegal, desmatamento e exploração ilegal de madeira. Combater crimes ambientais praticados por esses novos atores demandará cooperação transfronteiriça e de inteligência entre autoridades desses países. A Cúpula deveria ser também um momento de ampliar a disposição para esse tipo de parceria.

Finalmente, o terceiro elo entre países pan-amazônicos é um dos mais positivos, mas que aparentemente está sendo subestimado na Cúpula: a cultura. Aumentar a cooperação entre os países da Pan-Amazônia deveria envolver também fomentar parcerias culturais que valorizem a região. Coincidentemente, duas experiências pan-amazônicas estão ocorrendo nesse período pré-Cúpula. 

Uma delas é a Bienal das Amazônias, que contará com uma exposição em Belém a partir do dia 4 de agosto, com obras de 121 artistas dos países da Pan-Amazônia. O tema dessa exposição é “Bubuia – Águas como fonte de imaginações e desejos”. Bubuia significa boiar e, segundo as curadoras, a inspiração vem do “dibubuísmo”, um termo definido pelo grande pensador paraense João Jesus de Paes Loureiro como “as relações entre as águas e as pessoas que habitam o território da floresta”.     

A outra experiência cultural que destaco é uma música lançada em junho pela cantora peruana Rossy War e o músico paraense Félix Robatto. Rossy War, nascida no departamento Madre de Dios, na Amazônia peruana, é a rainha da tecnocumbia e suas músicas da década de 1990 possuem grande influência na Amazônia brasileira até hoje. Félix Robatto, por sua vez, é referência musical no ritmo guitarrada e é um dos responsáveis pelo festival Lambateria em Belém.

Em 2022, ela fez o primeiro show em Belém para centenas de fãs (eu estava lá!), justamente no festival Lambateria. Segundo entrevistas que deu na época, ela não tinha ideia do sucesso que fazia no Pará. 

Na nova música, composta por Félix Robatto e Bruno Benitez, Rossy canta: “Gigante como a Amazônia é o amor que senti”. 

A conexão cultural entre o Brasil e os outros países pan-amazônicos deveria ser melhor explorada em iniciativas diplomáticas e políticas para conservação da nossa floresta em comum. A OTCA deveria fomentar intercâmbios culturais, além dos científicos. Entender os pontos de similaridade nessa identidade amazônica poderia ser um ponto importante de aproximação e apoio a esforços regionais de conservação da floresta. 

A conexão cultural entre o Brasil e os outros países pan-amazônicos deveria ser melhor explorada em iniciativas diplomáticas e políticas para conservação da nossa floresta em comum. A OTCA deveria fomentar intercâmbios culturais, além dos científicos.

Brenda Brito

Por isso, o presidente Lula deveria convidar Rossy War e Félix Robatto para uma apresentação na abertura da Cúpula da Amazônia. Essa parceria musical é um exemplo genuíno da conexão pan-amazônica que deveria ser estimulada regionalmente. Esse convite faria com que o evento de agosto ficasse amplamente conhecido em Belém e atrairia mais interesse local nas pautas a serem discutidas entre os chefes de estado. 


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Sobre o autor

Advogada, mestre e doutora em Ciência do Direito pela Universidade Stanford (EUA). Nascida e residente em Belém (PA), é pesquisadora associada do Imazon, atuando há 18 anos para o aprimoramento de leis e políticas ambientais e fundiárias para conservação da Floresta Amazônica.

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