Muitos produtos amazônicos passaram a ser produzidos no exterior e com mais eficiência. No entanto, isso não significa que seja necessário abrir mão do que é originalmente brasileiro.

O primeiro ciclo da borracha foi uma das épocas de maior prosperidade na Amazônia. Por cinquenta anos, a região foi fornecedora quase exclusiva de um produto da bioeconomia que tinha enorme demanda na Europa e nos Estados Unidos, onde essa matéria-prima era usada para produzir pneus, tubos flexíveis, esteiras rolantes, botes infláveis, capas de chuva, solas de sapato, galochas e muito mais.

A bonança terminou em 1912, quando entraram em operação extensas plantações de seringueira que o governo inglês implantou na Malásia. O aumento súbito da oferta derrubou o preço dessa matéria-prima no mercado global, e o preço baixo inviabilizou a produção de borracha nativa na Amazônia.

Muita gente atribui o fim dessa era de prosperidade à biopirataria. Afinal, Henry Wickham, um cidadão inglês, levou um lote de sementes de seringueiras brasileiras para o Jardim Botânico Real da Inglaterra, onde especialistas britânicos produziram as mudas que foram plantadas na Malásia.

Na realidade, essa não foi a única vez que produtos amazônicos passaram a ser produzidos com mais eficiência no exterior. Hoje, a maior parte do cacau, uma planta nativa da região amazônica, é produzida na Costa do Marfim e em Gana. A mandioca, um produto central da cultura indígena, é produzida para consumo local em países africanos e para exportação na Tailândia e em outros países do sudeste asiático. Ouvi relatos de que a China já produz tambaquis, e não ficarei surpreso se, em poucos anos, países distantes da Amazônia começarem a produzir açaí.

Tenho convicção de que os povos que domesticaram essas espécies e trabalham de forma incessante para preservar seu ecossistema nativo e toda a biodiversidade que eles contêm merecem ser muito bem recompensados por esse serviço. Ao mesmo tempo, desconfio que não é possível controlar o fluxo de espécies entre continentes. Primeiro, nenhum país é inocente. Da mesma forma que produtores estrangeiros ganham dinheiro cultivando espécies nativas da Amazônia, produtores brasileiros buscam sua prosperidade produzindo espécies importadas como café, laranja, cana-de-açúcar, soja e eucalipto.

Nenhum país é inocente. Da mesma forma que produtores estrangeiros ganham dinheiro cultivando espécies nativas da Amazônia, produtores brasileiros buscam sua prosperidade produzindo espécies importadas como café, laranja, cana-de-açúcar, soja e eucalipto.

Salo Coslovsky

Segundo, é comum que países contíguos compartilhem a posse de um recurso natural. No caso da Amazônia, ela é abrigada por nove países, e qualquer um deles pode franquear acesso às matrizes originais, seja de propósito ou sem querer. Terceiro, mesmo que todos os países detentores de uma certa espécie resolvam evitar o seu cultivo em países não-tradicionais, eles têm poucos instrumentos para fazer valer sua vontade. Claro, diplomatas e ativistas podem reclamar e, às vezes, uma boa campanha de informação traz bons resultados. Mas a reclamação não tem força de lei, e a lei não tem efetividade se não for acompanhada pela ameaça crível de sanções. A situação é ainda mais complicada no caso de produtos sintéticos, isto é, aqueles em que matérias-primas abundantes e baratas são transformadas em produtos com características parecidas às do produto natural. Um exemplo óbvio é o da borracha sintética, que é feita a partir de derivados de petróleo, mas a mesma ideia se aplica a remédios e outros compostos biológicos que podem ser produzidos em laboratório.

Sob o ponto de vista econômico, a ênfase no combate à biopirataria parece ser uma tentativa de prolongar a vida útil de uma competência estática. A competência estática é a capacidade que um setor, país ou região tem de ganhar dinheiro em um determinado momento e sob determinadas condições. Seu principal componente é a sorte. Afinal, nada é mais fortuito do que ser a pessoa certa no momento e nos locais certos.

O desenvolvimento econômico continuado, porém, depende de competências dinâmicas, isto é, a capacidade de adquirir novas competências estáticas conforme o momento e as condições mudam. Surpreendentemente, esse tipo de competência não depende de dinheiro, talento ou esforço. Seu principal ingrediente é a capacidade de um setor, empresa ou região resolver conflitos inerentes ao processo de desenvolvimento.

O desenvolvimento econômico gera muita riqueza, mas também altera a forma com que ela é distribuída. Enquanto alguns empreendedores se aproveitam das novas oportunidades para ganhar dinheiro, outros ficam com medo de perder sua posição e tentam impedir a mudança.

Alguns exemplos ilustram esse fenômeno. Cada vez mais, grandes empresas no Brasil e no exterior precisam rastrear seus insumos da floresta até o varejo para provar que seus produtos não estão associados ao desmatamento ou a condições de trabalho degradantes. Na Amazônia, uma grande parte do comércio de produtos de base florestal depende de atravessadores, e muitos desses comerciantes preferem manter seus fornecedores sob sigilo para evitar o assédio de concorrentes. Em vez de ver a crescente demanda por rastreabilidade como uma oportunidade, eles a veem como uma ameaça e tentam impedir ou dificultar sua adoção.

Existem muitos outros exemplos desse tipo no Brasil. No início dos anos 2000, minha orientadora de doutorado entrevistou empresários na região Nordeste e ficou surpresa ao descobrir que muitos deles se opunham ao investimento em educação básica por medo de perder acesso a uma força de trabalho dócil e barata.

Em outros casos, empresas locais que compram matérias-primas se opõem à exportação de seus insumos por receio de que o crescimento da demanda eleve seus custos de produção. Por exemplo, diversas empresas beneficiadoras de castanha gostariam que o governo brasileiro impedisse os coletores de castanha de vender seu produto para empresas da Bolívia e do Peru, pois assim sobraria mais matéria-prima no mercado nacional. Da mesma forma, pequenas empresas que produzem e vendem polpa de açaí no Pará reclamam que a exportação tira esse produto da mesa das pessoas naquele estado.

Na mesma linha, empresas que produzem matérias-primas podem ver com antipatia políticas de fomento que estimulam a criação ou expansão de negócios semelhantes aos seus, por receio de que o aumento da oferta irá deprimir o preço de seus produtos no mercado.

Em economias bem ajustadas, esses conflitos não impedem o investimento e a inovação. Mas essa situação não é natural ou automática, pois os perdedores sempre reclamam e tentam impedir as mudanças. Complicando um pouco mais a situação, muitas dessas reclamações fazem algum sentido e merecem consideração. O desafio do desenvolvimento é equacionar essas preferências para que os setores aproveitem as novas oportunidades de forma negociada, sem que ninguém sofra demais nem consiga impedir o progresso.

Sobre o autor

Salo é professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas relacionadas à administração pública e desenvolvimento econômico. Formado em Administração Pública pela FGV, com mestrado em Direito e Diplomacia pela Fletcher School da Tufts University (EUA) e doutorado em Estudos Urbanos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde março de 2020, é pesquisador associado do projeto Amazônia 2030.

E-mail: [email protected]