Crescimento da demanda pelo fruto, cuja cadeia movimenta R$ 6 bilhões por ano, ameaça seu cultivo orgânico e extrativista

Fruto de uma palmeira tipicamente amazônica, o açaí é considerado o “ouro preto” da floresta. Nas últimas décadas, rompeu as fronteiras da região, popularizou-se em todo o Brasil – embora numa versão adocicada, diferente da tradicionalmente consumida na Amazônia – e ganhou o mundo, por conta de suas propriedades energéticas e de seu protagonismo no setor de alimentos saudáveis. Todo esse sucesso, porém, tornou-se preocupação, pelo risco de romper aquilo que a cadeia produtiva do fruto tem de melhor: preservação ambiental e inclusão social.

Reportagem da jornalista Nicole Gasparini, publicada no Um Só Planeta, revelou nuances da cadeia produtiva do açaí, indicando que a conquista de novos mercados levou o Brasil a produzir cerca de 1,5 milhão de toneladas de açaí por ano, movimentando um volume financeiro de R$ 5,3 bilhões. Para se ter uma ideia da evolução do mercado, a exportação desse fruto se multiplicou por mais de 140 entre 2011 e 2020, mostra a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (ABRAFRUTAS), saltando de 41 toneladas anuais para o recorde de 5.937 toneladas em 2020, vendidas para 40 países. E o Pará responde por mais de 94% das exportações.

O cultivo do açaí é feito majoritariamente em áreas de várzea, pelo extrativismo de agricultores familiares em comunidades ribeirinhas. E é justamente esse modo produtivo característico e sustentável que pode ser atingido, explica o portal de notícias.

“A demanda pelo fruto em outros estados ou fora do país não era tão volumosa. O protagonista era o palmito, proveniente da mesma palmeira, mas que exigia que a árvore fosse cortada. Quando o ciclo do açaí se iniciou, vimos as vantagens: manter a floresta em pé, enquanto melhora a vida dos agricultores”, conta Givanildo de Jesus da Costa Guimarães, presidente da Cooperativa Agrícola dos Empreendedores Populares de Igarapé-Miri (CAEPIM), no Pará.

O problema é que, apesar da maior parte do cultivo ser nativa, orgânica e manejada em áreas de várzea, cada vez mais açaizais têm sido plantados em terra firme, muitas vezes precisando de irrigação. E isso cria o risco de o fruto se tornar uma monocultura, segundo Fernanda Stefani, da 100% Amazônia, que, em parceria com comunidades, cooperativas locais e agricultores familiares, transforma recursos naturais amazônicos em bioingredientes para indústrias de diversos setores.

“Quando a espécie sai da Amazônia, ela exerce menos pressão nas áreas de floresta, por ser um fruto que a mantém em pé. Existem projetos que cultivam a palmeira em outros estados e que eu vejo com bons olhos, como em sistemas agroflorestais. No caso do plantio irrigado, vejo vantagem quando feito em áreas degradadas pela pecuária”, explica Stefani.

Fernando Moretti é coordenador da Rede de Ativadores de Crédito Socioambiental da Conexsus, de negócios de impacto socioambiental para a geração de renda no campo. Ele frisa que o açaí se desenvolve melhor a partir de um manejo de mínimo impacto, e quando cultivado com outras espécies ao redor.

“Com o açaí plantado, de monocultura e em terra firme, há um decréscimo da produção após o terceiro ano de cultivo, pela falta de espécies nativas que propiciam a recomposição dos nutrientes necessários ao solo”, detalha o coordenador.

Assim, é evidente a necessidade de trabalhar a sustentabilidade da cadeia do açaí considerando o protagonismo das populações extrativistas. Esse é um dos desafios para acompanhar a demanda pelo fruto sem destruir as boas práticas. Afinal, não existe larga escala na floresta que não passe pela mão de pequenos produtores.


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