O ponto de não retorno da Floresta Amazônica pode estar mais perto do que se pensa. E a destruição do bioma já afeta comunidades locais e outras regiões do país

Cientistas de todo o mundo vêm alertando dia sim, outro também, que as mudanças climáticas e a devastação da Amazônia estão fazendo a maior floresta tropical do mundo se aproximar de um ponto de não retorno – quando o colapso do bioma será irreversível. Entretanto, a situação pode ser pior do que se previa.

Simulações computacionais feitas por cientistas britânicos apontam que a temida transformação da Amazônia num ambiente aberto e empobrecido está mais próximo do que se projetava. De acordo com o estudo, quanto maior a complexidade da simulação – ou seja, quanto mais próxima da realidade –, maior é a chance de que esses colapsos aconteçam com mais rapidez.

“Os ecossistemas podem entrar em colapso antes do que esperávamos se eles estiverem experimentando múltiplos estresses ao mesmo tempo. Pode ocorrer, por exemplo, a combinação de mudança climática, desmatamento e perda de biodiversidade, bem como eventos climáticos extremos. Tudo isso reflete relativamente bem os estresses que já estão afetando a Amazônia e vão afetá-la no futuro próximo”, explica à Folha o primeiro autor do estudo, Simon Willcock, do Centro de Pesquisas Rothamsted e da Universidade de Bangor, no País de Gales.

Publicado na revista Nature Sustainability, o trabalho incluiu outros exemplos reais e teóricos de colapso ambiental, todos simulados em modelos computacionais com diferentes graus de complexidade. Além da vegetação amazônica, foram avaliadas simulações da atividade pesqueira na laguna de Chilika, na Índia; do crescimento populacional humano e degradação ambiental que afetou a ilha de Páscoa, no Pacífico, antes da chegada dos europeus; e do chamado Lago Fósforo, um simulacro genérico de uma lagoa afetada pelo excesso desse nutriente.

Até agora, muitas simulações estudaram o que acontece com a transformação gradual provocada por um único fator de perturbação. Na Amazônia, por exemplo, seria a perda de cobertura florestal.

Contudo, nos modelos estudados pela equipe, o acréscimo de mais um fator de estresse faz com que o colapso ambiental aconteça mais cedo, o que era esperado. Mas, além disso, a combinação de fatores faz com que o desastre possa acontecer mesmo quando o nível do fator negativo principal, se estivesse isolado, poderia ser suportado pelo ecossistema.

“Um trabalho recente mostrou que a Amazônia já está perdendo resiliência, enquanto outro indicou que, uma vez que o colapso começar, ele será rápido. Segundo esse trabalho, se o processo começar em 2030, por exemplo, ele poderá se completar em 2080. A principal incerteza é saber quando esse limiar crítico será cruzado”, diz Willcock.

Se o colapso da Amazônia está mais perto, mas ainda no futuro, os efeitos da destruição passada e presente da floresta no dia a dia dos brasileiros já são bastante evidentes. O Nexo mostra como a crise climática global, agravada pela devastação da região, impacta os ribeirinhos. Pescadores amazônidas têm cada vez mais dificuldade de encontrar peixes, por causa da “bagunça” que vem se tornando o regime amazônico de secas e cheias.

Criado na beira do rio, o pescador Nilton Bacry costumava prever a chegada de grandes cheias e secas, que seguiam um ritmo e intervalo de tempo. Isso, porém, não acontece mais.

“Percebo alteração [mudanças climáticas] tanto na seca quanto na cheia. Essa seca agora, por exemplo, eu sei que ela foi grande. A cheia também foi, então a expectativa é que essa próxima seja menor, porque quando vem uma seca grande certamente vem uma cheia pequena. Essa certeza geralmente a gente está perdendo cada vez mais porque ano passado lá em frente de casa a cheia foi muito grande, então não consigo mais prever”, explica ele.

E os desdobramentos nefastos da devastação amazônica atravessam milhares de quilômetros e chegam a todo o Brasil. Estudo do Climate Policy Initiative/PUC-Rio mostra que, de cada cem árvores derrubadas na Amazônia, outras 22 morrem por falta de água que deixa de ser transportada pelos “rios voadores”, que são as correntes de umidade levadas pelo ar, informa O Globo

“Se tiver floresta, há um processo de reciclagem dos rios voadores. Mas se o corredor de umidade encontra uma área desmatada, ele vai perdendo força ao longo do caminho”, explica Juliano Assunção, diretor-executivo do Climate Policy Initiative/PUC-Rio.


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