Contém spoilers da série Extrapolations – Um Futuro Inquietante sobre o futuro num planeta dominado pelo lobby dos combustíveis fósseis. O recente ataque às instituições ambientais brasileiras, por negarem licença para exploração de petróleo na Foz do Amazonas, seria um prelúdio das cenas da série ou uma demonstração de outro futuro possível?

O ano é 2070 e o planeta já aqueceu 2,6 graus em relação aos níveis pré-industriais. Em algumas regiões do planeta, há toque de recolher durante o dia, pois a exposição ao sol durante alta temperatura causa danos cerebrais. Tentativas de geoengenharia e de captura e armazenamento de carbono falharam. As florestas não resistiram a temperaturas extremas. A humanidade desenvolveu soluções para tratar as consequências das altas temperaturas na saúde, incluindo formas de amenizar doenças genéticas que atingem as novas gerações. Porém, foi incapaz de fazer aquilo que seria a solução verdadeira para o problema: reduzir as emissões de gases do efeito estufa, especialmente trocar o uso de combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis.

O parágrafo anterior junta algumas cenas de diferentes episódios da série de ficção Extrapolations – Um futuro inquietante, disponível na Apple TV. A série traz histórias de famílias, de amor, de fé que ocorrem em um mundo cada vez mais impactado pelo aumento da temperatura.  

Há quem rejeite a estratégia de falar em cenários trágicos da crise climática, pois isso paralisaria as pessoas e não as convenceria a se engajar na causa. Para mim, já passamos dessa fase quando os cenários trágicos começaram a acontecer diante dos nossos olhos. Um desses casos ocorreu há um ano em Recife, quando 133 pessoas morreram em decorrência das fortes chuvas e deslizamentos. No último dia 28 de maio, moradores de Recife realizaram protesto para lembrar das vítimas e cobrar ações para as pessoas que vivem em áreas de risco. 

TV Brasil / via Agência Brasil
Bairro de Jardim Monteverde, região limítrofe entre Recife e Jaboatão dos Guararapes, atingido pelas fortes chuvas na Região Metropolitana do Recife em 2022

A série Extrapolations traz muitas cenas fortes sobre como nosso planeta e a humanidade estarão no futuro. Mas o que mais me chocou ao longo dos episódios foi a acomodação das pessoas diante do planeta em caos. A série mostra pessoas ao redor do mundo conformadas com o absurdo, seguindo sua rotina, sem conseguirem atacar a causa do problema.

Para mim, a série reforçou a importância de ouvir a ciência agora. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) não deixa mais dúvida: temos menos de 7 anos para reduzir em quase metade as emissões de gases do efeito estufa, se quisermos ter chances de limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC até o final do século. Para que isso ocorra, a Agência Internacional de Energia (IEA) demonstrou que essa meta só é viável se não tivermos novos projetos de exploração de petróleo e gás. Os já existentes devem caminhar para uma fase de transição e declínio de produção progressivo, respeitando as diferentes características e necessidades dos países.

Quando começaremos a orientar decisões de investimentos a partir da ciência climática e quem serão os líderes a nos conduzirem nesse caminho? Eu ainda prefiro acreditar que os cenários da série Extrapolations continuarão sendo ficção e que não vamos nos acomodar tão morbidamente. Essa crença é alimentada por decisões como a do Ibama, que negou o pedido da Petrobras para licença de perfuração na Foz do Amazonas. A negativa tem como base um conjunto de inconsistências técnicas e ausência de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). 

Quando começaremos a orientar decisões de investimentos a partir da ciência climática e quem serão os líderes a nos conduzirem nesse caminho? Eu ainda prefiro acreditar que os cenários da série Extrapolations continuarão sendo ficção e que não vamos nos acomodar tão morbidamente.

Brenda Brito

Mesmo que a decisão do Ibama não tenha sido por conta do impacto climático, é importante ver uma instituição que foi tão enfraquecida no governo anterior oferecendo uma análise técnica de qualidade e zelando pelo bem da população brasileira. 

Por outro lado, é assustador ver figuras políticas do Amapá e Pará defendendo passar por cima da análise técnica, da atribuição do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e do Ibama para aprovar de qualquer forma um pedido sem o devido embasamento. Figuras essas que, no governo anterior, criticavam o ataque e enfraquecimento das instituições ambientais e que caminhavam por várias conferências do clima com discursos de visão sustentável para o Brasil. 

Com a conferência do clima de 2025 confirmada para Belém, no Pará, os políticos da Amazônia precisam reavaliar esse discurso e ouvir o que dizem os cientistas sobre combustíveis fósseis e transição energética. Afinal, esse é um dos principais temas que permeiam as COPs, nas quais o lobby dos combustíveis fósseis é cada vez mais presente para impedir que os países cheguem a decisões mais contundentes sobre eliminação progressiva dessa fonte de energia. 

Ironicamente (ou não), muitos desses políticos pró-petróleo celebraram a confirmação de Belém como sede da COP30, talvez porque nunca tenham entendido realmente o objetivo das COPs nas quais estiveram. Celebrar Belém como sede da COP30 e, ao mesmo tempo, defender a exploração de petróleo da Foz do Amazonas é trabalhar desde agora para o fracasso dessa conferência, com o lobby dos combustíveis fósseis impedindo avanços significativos e nos aproximando das cenas de ficção de Extrapolations.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Advogada, mestre e doutora em Ciência do Direito pela Universidade Stanford (EUA). Nascida e residente em Belém (PA), é pesquisadora associada do Imazon, atuando há 18 anos para o aprimoramento de leis e políticas ambientais e fundiárias para conservação da Floresta Amazônica.

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