Mercúrio é considerado um dos metais mais perigosos para a saúde humana e está se disseminando pela Amazônia em defesa de um ‘desenvolvimento’ que visa a exploração da natureza.

Entre inúmeras questões que afetam a Amazônia e seus povos, a contaminação por mercúrio tem ganhado destaque pelo problema de saúde publica que se tornou na região, afetando a população humana e também peixes, mamíferos aquáticos e terrestres, espécies que têm relação direta com os rios amazônicos.

O mercúrio é considerado um dos metais mais perigosos para o ambiente e para a saúde humana devido à sua alta toxicidade e sua mobilidade em diferentes ecossistemas. Ele tem grande capacidade de mobilização entre diferentes compartimentos ambientais (atmosfera, solo, corpos d’água, plantas e animais), uma longa persistência no ambiente e uma capacidade de penetrar na cadeia alimentar, atingindo principalmente os peixes, que constituem fonte essencial de nutrientes para todos os povos que vivem na Amazônia, originários ou não.

Há três formas químicas do mercúrio: metálico, inorgânico e orgânico, sendo o metilmercúrio (MeHg) a forma mais comum de mercúrio orgânico encontrado na cadeia alimentar. O MeHg é a também a forma mais tóxica para os humanos, pois afeta principalmente o sistema nervoso central, embora fígado, rins, e os sistemas cardiovascular, gastrointestinal e imune também possam ser afetados.

Apesar de estudos acadêmicos terem mostrado que o solo da Amazônia tem altos níveis de mercúrio no ambiente natural, a principal fonte de contaminação dos cursos d’agua por mercúrio é a mineração de ouro artesanal, que acontece nos garimpos. O mercúrio é usado no processo de purificação do ouro, contribuindo com cerca de 71% do total de emissões de mercúrio a cada ano.

Além disso, o mercúrio é um componente fundamental para o garimpo. É ele que reúne as partículas de ouro que estão espalhadas no meio ambiente. Durante o processo de garimpagem, feito pelas dragas (embarcações que levam o maquinário de separação do ouro por aspiração do fundo dos rios), o metal é lançado em altas quantidades nos rios.

Estima-se que para cada quilo de ouro, os garimpeiros utilizam cerca de três quilos de mercúrio. Estamos falando do mercúrio em sua forma metálica, que se une ao ouro formando um amálgama. Assim, os garimpeiros extraem o ouro metálico “queimando-o”, volatilizando o mercúrio, o qual é levado pelo vento e logo se precipita. Assim a contaminação nos cursos d’agua ocorre com a precipitação ou com o despejo direto no leito dos rios, onde microrganismos transformam o mercúrio metálico em metilmercúrio (MeHg) e o absorvem. Por isso, a substância entra na cadeia alimentar – do fitoplâncton aos mamíferos. A exposição e/ou contaminação humana se dá principalmente através da ingestão de peixes de contaminados com MeHg.

Na bacia do rio Tapajós, estados de Mato Grosso e Pará, a exploração do ouro se intensificou na década de 1970 e, desde então, a atividade acontece principalmente na região do alto e médio rio Tapajós. Importante destacar que nos últimos anos, verificou-se um crescimento alarmante do número de garimpeiros atuando em território habitado tradicionalmente por povos indígenas, com o apoio do governo brasileiro. Toneladas de mercúrio foram despejados ao longo do rio Tapajós em decorrência da atividade garimpeira. O efeito disso, para além da destruição do território e dos impactos na segurança alimentar da população e nos modos de vida de povos indígenas, refletem diretamente na saúde população que vive da bacia do rio Tapajós.

Dados recentes de uma pesquisa com 462 pessoas de diferentes regiões do município de Santarém (PA), no baixo Tapajós, que envolveu comunidades indígenas (povo Tupinambá e Cumaruara) e ribeirinhas (Resex Tapajós-Arapiuns), mostram que 75,5% estão com níveis de Hg no sangue acima do recomendado pela OMS, com os níveis de Hg variando de 1,4 a 296,5 μg/L. O que significa que esta população, mesmo em região onde não há presença de garimpos, está exposta a níveis que são suficientemente altos para causar diversos tipos de efeitos tóxicos para a saúde humana.

Estudos têm evidenciado que a população da região do alto e médio Tapajós é ainda mais afetada, com destaque para o povo Munduruku. É importante chamar a atenção que há poucos que avaliam o efeito da contaminação do mercúrio na saúde humana. Logo, doenças, ou até mesmo mortes, ainda estão como suposição de ter ou não relação à contaminação do garimpo, sendo assim mortes lentas e invisibilizadas.

É importante chamar a atenção que há poucos que avaliam o efeito da contaminação do mercúrio na saúde humana. Logo, doenças, ou até mesmo mortes, ainda estão como suposição de ter ou não relação à contaminação do garimpo, sendo assim mortes lentas e invisibilizadas.

Raquel Tupinambá

A contaminação por mercúrio em decorrência da exploração de ouro atinge outras regiões na Amazônia, como o território Yanomami, que recentemente estourou na mídia evidenciando a tragédia humanitária que o povo enfrenta, com inúmeras mortes de crianças e adultos. Para entender como a situação veio acontecer, vale conhecer o relatório “Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo” elaborado pela Hutukara Associação Yanomami e Associção Wanasseduume Ye’kwana, organizações representativas do povo, publicado em 11 de abril de 2022.

Os garimpos que estão destruindo os territórios indígenas e contaminando os rios, afetam outros povos na Amazônia. O povo Kayapó, na região do Xingu, no Pará, também enfrenta a mesma situação e, em regiões como a bacia do rio Madeira, os povos vivenciam uma situação parecida.

Estudos acadêmicos, e até documentários, como o de Jorge Bodanzky, “Amazônia a nova Minimata?” que retrata a saga do povo Munduruku para conter a contaminação por mercúrio, na região do médio e alto Tapajós, têm alertado para essa grave situação, sugerindo inclusive que a Amazônia tem vivenciado uma situação semelhante ao caso de Minamata no Japão, em que muitas pessoas morreram com sequelas em decorrência da contaminação por mercúrio.

Precisamos falar com seriedade sobre esse modelo de “desenvolvimento” que visa a exploração da natureza e a transformação das populações indígenas e ribeirinhas em mão-de-obra barata. O capitalismo propõe um modelo em que poucos ficam cada vez mais ricos, enquanto uma grande parcela da sociedade de torna cada vez mais vulnerável e pobre. Pessoas, culturas e a biodiversidade são mortas para que o sistema capitalista e a visão ocidental de desenvolvimento se mantenha.

Precisamos falar com seriedade sobre esse modelo de “desenvolvimento” que visa a exploração da natureza e a transformação das populações indígenas e ribeirinhas em mão-de-obra barata.

Raquel Tupinambá

Existe uma discussão de garimpos sem o uso de mercúrio, e sem dúvidas isso seria um sistema exploratório menos danoso. Quando se olha apenas para a contaminação mercurial, no entanto, tem se falado na legalização de garimpos, um tema preocupante. Precisamos discutir quem ganha com a exploração da natureza, aqui, no caso, da cadeia do ouro: empresas multinacionais? Empresários? O grande capital? Os territórios e as áreas florestas continuarão sendo destruídos? Serão criados lagos de rejeitos em nossos territórios que logo irão matar povos indígenas e comunidades tradicionais na Amazônia, como tem acontecido em outras regiões do país?

Precisamos mudar essa lógica capitalista, desenvolvimentista, genocida. Repensar e mudar o modo de vida da população humana hoje é poder representar a possibilidade da continuidade da existência humana no planeta terra.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.


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Sobre o autor

Raquel Tupinambá é mulher indígena, agricultora e militante pelos direitos indígenas. É uma liderança de seu povo e coordenadora do Conselho Indígena Tupinambá do baixo Tapajós Amazônia (CITUPI). Além disso, é doutoranda em Antropologia Social.

E-mail: [email protected]