Ferramentas para transparência e rastreabilidade dos produtos brasileiros podem ser peça-chave para desenvolvimento econômico e também proteção dos biomas do país.

Cada vez mais se faz necessário que o Brasil tenha uma política nacional de rastreabilidade e transparência para a cadeia de algumas de suas principais commodities. Isso porque vivemos um momento em que a pressão de consumidores e governos por produtos que não estejam associados ao desmatamento aumenta em muitos mercados importantes para o agronegócio brasileiro.

Entre eles está a União Europeia, que recentemente aprovou uma regulação que proíbe a importação de soja, carne, madeira, café e cacau, entre outras commodities, produzidas em áreas de floresta após 31 de dezembro de 2020. Entram na lista de itens proibidos os derivados como couro, chocolate e móveis. As regras incluem diversos pontos de due diligence, ou diligência devida, que se refere a sistemas de verificação para garantir que os produtos realmente vêm de cadeias livres de desmatamento.

Países como Reino Unido, e mesmo França e Alemanha (que fazem parte do bloco europeu), também estabeleceram normas específicas nesse sentido. As leis não são uniformes. A União Europeia não faz distinção entre o desmatamento legal e ilegal, enquanto o governo britânico entende que o Brasil possui uma legislação, o Código Florestal, que permite uma certa porcentagem de supressão de vegetação nativa nas propriedades rurais.

A iniciativa desses mercados é bem-vinda, no sentido de que medidas para conter o desmatamento, seja no Brasil ou em outras regiões do planeta, são cada vez mais necessárias e urgentes. No entanto, é importante que haja um diálogo aberto e cooperação entre todas as partes interessadas, incluindo aí os principais atores públicos e privados brasileiros ligados às cadeias produtivas e/ou regiões mais impactadas, para que tais medidas se integrem e potencializem o projeto de país rumo a uma transição agropecuária orientada para a sustentabilidade e a transparência.

Caso esse diálogo não ocorra, temos real possibilidade de vazamento, tanto na oferta, quanto no consumo: países europeus passam a buscar fornecedores em regiões externas ao bioma amazônico (e, portanto, fora da zona de risco de desmatamento) e, consequentemente, os produtores de tais regiões passam a vender para outros mercados menos exigentes.

Outra possibilidade é que, se a exigência for em relação ao desmate que ocorre em florestas como as da Amazônia, como é o caso das novas regras da União Europeia, isso pode aumentar a pressão pela derrubada da vegetação nativa em outros biomas, como o Cerrado. Além disso, no médio prazo, pode ocorrer o aumento da desigualdade entre produtores mais aptos a atenderem às regras internacionais e aqueles que ainda estão no início dessa jornada.

Essas consequências não são boas para o meio ambiente, para o setor produtivo e para a sociedade em geral, já que no longo prazo todos serão atingidos pelos efeitos relacionados à degradação ambiental, à perda de biodiversidade e às alterações climáticas.

No Brasil, apesar da Moratória da Soja, que abrange o bioma Amazônia, não há acordos setoriais na área de commodities que tratem da questão do desmatamento de forma abrangente. Há iniciativas mais pontuais, embora relevantes, como os compromissos assumidos em fóruns globais, para a Amazônia e Cerrado, e compromissos de desmatamento zero assumidos de forma individual por empresas do setor da carne, que investem então em tecnologias e no diálogo com seus fornecedores e terceiros para alcançar suas metas.

Porém, todas elas se deparam com a mesma questão: o desafio de ter a rastreabilidade e a transparência em toda a cadeia produtiva, para garantir que nenhum elo – seja direto ou indireto -, está associado ao desmatamento. É importante, portanto, que as diferentes iniciativas, sejam elas setoriais ou individuais, tenham o respaldo de um guarda-chuva mais amplo – uma política nacional, pública e oficial, que trate da rastreabilidade e transparência.

É importante, portanto, que as diferentes iniciativas, sejam elas setoriais ou individuais, tenham o respaldo de um guarda-chuva mais amplo – uma política nacional, pública e oficial, que trate da rastreabilidade e transparência.

Fabíola Zerbini

Cabe lembrar que o país já dispõe de ferramentas e informações para isso. No caso da cadeia da carne, há o controle de rastreabilidade sanitária (sem o qual não é possível exportar para países como a China, por exemplo) através da Guia de Trânsito Animal (GTA), que é o documento oficial para transporte animal no país. Se a GTA, por exemplo, fosse integrada ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), haveria muito a se ganhar do ponto de vista da rastreabilidade e transparência relacionadas ao desmatamento na cadeia.

Vale lembrar que há um artigo na lei europeia que aponta para a construção de parcerias para fomento à agenda de transição rumo a uma agropecuária livre de desmatamento e que seja transparente. Para além dessa possibilidade – que deve ser defendida, uma vez que tal sucesso depende de uma ação coordenada de toda a cadeia e de altos investimentos -, o Brasil e os brasileiros têm condições de avançar nessa transição a partir de um sistema público de transparência e rastreabilidade.

Com diálogo, cooperação e entendimento dos diferentes desafios de cada cadeia de commodities, é possível para o Brasil construir um marco legal que contribua para que o setor produtivo e instâncias do governo respondam de forma mais proativa e positiva às demandas dos diferentes mercados, sem falar nos benefícios socioambientais de que o país tanto precisa e que seriam decorrentes dessa construção.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.


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Sobre o autor

Fabíola Zerbini é diretora de Florestas, Uso Da Terra e Agricultura da WRI Brasil e membro do Grupo Executivo (GX) da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

E-mail: [email protected]