Precisamos incorporar as culturas amazônicas, com suas pluralidades e sem preconceitos, no diálogo sobre a Amazônia.

O tema desta coluna extrapola minha área de conhecimento técnico, mas, para conseguir abordar a Amazônia em toda a sua complexidade, às vezes é preciso sair da zona de conforto. Arrisco, portanto, trazer uma reflexão, ainda que em formato bruto.

Há temas recorrentes nas discussões sobre a Amazônia: proteção florestal, pecuária, combate à ilegalidade, respeito a territórios tradicionais, entre outros tantos. São, sem dúvida, temas indispensáveis para compreender a região e, consequentemente, promover seu desenvolvimento sustentável. Não são, contudo, suficientes.

Como pesquisadora, tenho com frequência me perguntado: onde está o elemento “cultura” nessas discussões? Como pensam os diferentes segmentos dos povos amazônicos? Quais são seus valores compartilhados, suas ambições, seus códigos de conduta? Como percebem aquilo que o resto do país (e do mundo) afirma saber com tanta convicção sobre a Amazônia?

Como pesquisadora, tenho com frequência me perguntado: onde está o elemento “cultura” nessas discussões? Como pensam os diferentes segmentos dos povos amazônicos?

Clarissa Gandour

São perguntas subjetivas, sem resposta única e tampouco certa. Mas está cada vez mais claro para mim que precisamos encará-las e ampliar o diálogo sobre a cultura amazônica. Ou melhor, sobre as culturas amazônicas — no plural.

No país, há um esforço um pouco mais consolidado para tratar disso no âmbito dos povos indígenas. Para além das iniciativas da sociedade civil, a causa ganhou força com a recente criação de um ministério próprio. Ainda que os desafios a serem enfrentados sejam sabidamente imensos, já existe um reconhecimento de que é importante contemplar esses povos e suas culturas nas considerações sobre a Amazônia.

Mas e os demais? Aqui me refiro não apenas a outros povos tradicionais que habitam a região, como membros de comunidades ribeirinhas, mas a todos os outros amazônidas. Assentados, grandes produtores rurais, produtores familiares, residentes das zonas urbanas e até mesmo grileiros, madeireiros e garimpeiros. Quanto realmente conhecemos sobre eles?

Que fique claro que não defendo justificar absolutamente nenhuma ação que infrinja leis, desrespeite direitos humanos ou utilize recursos naturais de forma predatória e destrutiva. Tampouco defendo que todos esses grupos tenham representatividade política organizada. Mas acredito que seja preciso entendê-los a fundo.

Munidos dessa compreensão, poderíamos aprimorar nossos modelos matemáticos (afinal, economistas adoram modelar o comportamento humano como problemas de otimização), validar as interpretações que fazemos a partir dos dados, criticar os diagnósticos e as recomendações que tecemos e, fundamentalmente, fazer as perguntas certas.

Mas não só isso. Essa compreensão é também essencial para construir uma linguagem comum entre partes hoje totalmente desconectadas. Talvez o filho de um fazendeiro no Pará se sinta tão distante das evidências que discuto nas minhas colunas quanto se sente dos posts em redes sociais de influencers indígenas. Se eu conhecesse um pouco mais sobre sua cultura, será que conseguiria alcançá-lo de alguma forma? Será que conseguiríamos conversar?

Compreensão é também essencial para construir uma linguagem comum entre partes hoje totalmente desconectadas.

Clarissa Gandour


Não é realista achar que todos os envolvidos com a Amazônia tenham uma compreensão completa de suas nuances culturais. Não há tempo hábil para desenvolver tal compreensão em um contexto com demandas tão complexas e específicas. No entanto, se tivéssemos maior interesse pelas culturas amazônicas e conseguíssemos desenvolver uma sensibilidade cultural mais livre de preconceitos, não poderíamos prestar um melhor serviço à região?


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Doutora em Economia pela PUC-Rio e coordenadora de Avaliação de Política Pública para Conservação no Climate Policy Initiative/PUC-Rio. Sua pesquisa avalia efetividade e impacto de políticas públicas de proteção florestal.
E-mail: [email protected]

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