Os efeitos nefastos do desmatamento da Floresta Amazônica sobre fauna e flora vão além do bioma local e atingem até mesmo espécies da Mata Atlântica, a milhares de quilômetros de distância

O desmatamento da Floresta Amazônica é uma já sabida e temida ameaça ao clima do planeta e à biodiversidade. Entretanto, a repartição da cobertura vegetal em fragmentos descontínuos também pode desequilibrar as cadeias alimentares de variadas espécies animais, ameaçando sua sobrevivência.

É o que aponta um estudo dos pesquisadores Mathias Pires (UNICAMP); Maíra Benchimol (Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC/BA); Lívia Cruz (UNICAMP e Universidade do Estado do Arizona, nos Estados Unidos); e Carlos Peres (Instituto Juruá e Universidade de East Anglia, no Reino Unido), publicado na Current Biology. Segundo eles, o tamanho da floresta pode ser determinante para que as redes ecológicas se sustentem.

A pesquisa foi feita em 37 ilhas com fragmentos da Floresta Amazônica que se formaram no lago da hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, instalada na década de 1980 e que é apontada como um dos maiores desastres ambientais do setor elétrico brasileiro. O reservatório da usina inundou uma área de quase 3 mil km2 – o que equivale a duas vezes o tamanho da cidade de São Paulo –, criando mais de 3.500 pedaços de terra fragmentados, com restos de cobertura vegetal.

“Em ilhas com menos de 100 hectares, houve uma quebra brusca nas teias alimentares, que se tornam simplificadas porque a maioria das espécies não consegue manter suas funções. Em algumas ilhas pequenas, os predadores não encontram mais comida e, em outras, as presas podem proliferar”, disse Pires à Pesquisa FAPESP.

Os pesquisadores analisaram as interações alimentares entre mamíferos e aves terrestres das ilhas selecionadas para o estudo. Entre os 27 bichos observados estão onças-pardas, jaguatiricas, antas, queixadas, tatus-galinha e cutias, explica o Rede Pará.

Um episódio desse impacto foi narrado por Benchimol, que estranhou quando os mutuns-de-bico-amarelo não foram mais registrados pelas câmeras camufladas na mata. Os pássaros, de cerca de 80 cm de altura, sempre apareciam nas imagens das armadilhas fotográficas montadas em Xibé, uma das ilhas de Balbina.

O sumiço das aves coincidiu com o registro de uma onça-pintada vagando pelo mesmo lugar. “Suspeitamos que a onça comeu todos”, observa ela. Mutuns não costumam fazer parte da cadeia alimentar desse felino, que prefere bichos maiores.

O impacto da devastação da Amazônia na fauna não se dá somente por terra, mas também pelo ar. Com o desmatamento afetando a formação dos “rios voadores” – corredores de umidade atmosférica que saem da região para outras partes do país –, espécies que não são típicas do bioma amazônico podem ser atingidas por essas mudanças climáticas.

Um estudo liderado pelo pesquisador Lucas Ferrante, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), avalia o risco da redução desses “rios aéreos” para a sobrevivência de anfíbios da Mata Atlântica. O problema é mais preocupante para espécies como os sapos-corredeiros do gênero Hylodes, endêmicos desse bioma e que dependem de riachos de água rápida no interior da floresta para sobreviverem.

O Brasil tem mais de 1.200 espécies de anfíbios conhecidas, o que faz do país um líder mundial nesse segmento, segundo o g1. Contudo, novas descobertas ainda acontecem todos os anos. “Podemos perder biodiversidade sem ao menos conhecer o que está sendo extinto”, alerta o pesquisador Renato Gaiga, que também participa da análise.

“Nosso estudo reforça a importância da Amazônia para o sul e sudeste do Brasil. Nossos resultados mostram que se o desmatamento da Amazônia continua, teremos um colapso das chuvas do sul e sudeste, com consequências para a biodiversidade, abastecimento humano e economia. É crucial que seja estabelecida uma política de desmatamento zero para a Amazônia, para preservar os serviços ecossistêmicos que são os rios voadores”, frisa Ferrante.


Este conteúdo pode ser republicado livremente em versão online ou impressa. Por favor, mencione a origem do material. Alertamos, no entanto, que muitas das matérias por nós comentadas têm republicação restrita.

Aqui você encontra notícias e informações sobre estudos e pesquisas relacionados à questão do desmatamento. O conteúdo é produzido pela equipe do Instituto ClimaInfo especialmente para o PlenaMata.

Se você gostou dessa nota, clique aqui e assine a Newsletter PlenaMata para receber o boletim completo diário em seu e-mail.