Estudo de pesquisadores da USP analisou 600 mil marcadores do genoma de 118 pessoas, pertencentes a 19 populações indígenas do Brasil e da Pan-Amazônia

A doença de Chagas é um mal silencioso e que pode ser fatal, se evoluir para uma fase crônica, provocando insuficiência cardíaca. Causada por um protozoário – o Trypanosoma cruzi –, é transmitida por um inseto (o barbeiro). A transmissão também ocorre por meio de transfusão de sangue ou transplante de órgãos, consumo de alimentos contaminados e/ou durante a gravidez e o parto.

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, no ano passado a enfermidade atingia de 6 milhões a 8 milhões de pessoas somente na América Latina – uma das regiões do planeta onde a doença é endêmica.

Entre as populações indígenas da Amazônia, porém, a incidência da doença de Chagas é baixa, apesar das condições ecológicas da floresta serem favoráveis à transmissão de males tropicais. Esse fato era aparentemente inexplicável, até que pesquisadores do Instituto de Biociências da USP descobriram uma variante genética nesses Povos que os protege dessa enfermidade. Mesmo quando infectados, parecem desenvolver formas mais brandas da doença.

O estudo, publicado na revista Science Advances, analisou 600 mil marcadores do genoma de 119 pessoas, pertencentes a 19 populações indígenas. Esses povos representam a maior parte do território da Amazônia, no Brasil e em outros países que abrigam a floresta, explica a  Agência FAPESP.

Usando variadas técnicas, os pesquisadores encontraram diferenças em genes envolvidos no metabolismo, no sistema imune e na resistência à infecção por parasitas como o T. cruzi. Uma das variantes mais frequentes, presente no gene conhecido pela sigla PPP3CA, ocorre em 80% dos indivíduos analisados. A variante também está presente em outras populações, mas numa frequência bem menor: 10% na Europa, e 59% na África.

“O continente americano foi o último ocupado pelos humanos modernos e tem uma grande variedade de ambientes. Isso certamente causou uma pressão seletiva sobre esses povos e induziu adaptações, como essa que estamos vendo agora”, explica Kelly Nunes, pesquisadora do IB-USP e uma das autoras do estudo.

Logo, as populações que habitam a região amazônica há milênios passaram por adaptações no seu DNA que permitem “barrar” a entrada do patógeno da doença de Chagas nas células nas quais o problema se desenvolve. “Vale lembrar que a floresta amazônica é um ambiente de difícil sobrevivência [para os seres humanos]. A vegetação é muito alta, há pouca luz, temos a circulação de diversos patógenos. Ou seja, os primeiros habitantes dessa região tiveram de enfrentar uma série de desafios”, disse à BBC a geneticista Tábita Hünemeier, do IB-USP e participante da pesquisa.

Modelagens matemáticas apontaram para o surgimento da variante protetora contra a doença de Chagas há cerca de 7,5 mil anos. Isso teria ocorrido após as populações amazônicas se separarem dos povos dos Andes. 

Há evidências que corroboram essa data. Uma análise de tecidos mumificados de 238 indivíduos do sul do Peru e norte do Chile, de um período que vai de 9 mil a 450 anos atrás, mostra um aumento na taxa de infecção pelo T. cruzi naquela parte da América do Sul ao longo do tempo. A região hoje é endêmica da doença.

Outra evidência são ossos humanos de 7 mil anos encontrados no Brasil que continham sinais de infecção pelo parasita. Isso mostra que ele já existia por aqui, mas, mesmo assim, a doença não se tornou endêmica na região estudada.

Os pesquisadores esperam que a descoberta da proteção genética dos Povos Indígenas amazônicos possa ser utilizada para o desenvolvimento futuro de novos tratamentos para a doença de Chagas. Afinal, a enfermidade é listada entre as 20 moléstias tropicais negligenciadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). São doenças que afetam sobretudo pessoas pobres e que não dispõem de tratamentos específicos sem efeitos colaterais fortes.


Este conteúdo pode ser republicado livremente em versão online ou impressa. Por favor, mencione a origem do material. Alertamos, no entanto, que muitas das matérias por nós comentadas têm republicação restrita.

Aqui você encontra notícias e informações sobre estudos e pesquisas relacionados à questão do desmatamento. O conteúdo é produzido pela equipe do Instituto ClimaInfo especialmente para o PlenaMata.

Se você gostou dessa nota, clique aqui e assine a Newsletter PlenaMata para receber o boletim completo diário em seu e-mail.