Para assumir a liderança na exportação de produtos sustentáveis, o Brasil precisa rapidamente retomar o combate ao desmatamento e tomar medidas que adotem a produção sustentável como o padrão, e não a exceção como ocorre hoje.
Há cinco anos parei de consumir carne de boi após concluir que é impossível encontrar carne livre de desmatamento na Amazônia. Antes disso, passei por uma fase de transição. Só consumia carne de boi proveniente de frigoríficos que se comprometeram a vetar a compra de gado de fazendas com desmatamento ilegal. Esse compromisso é formalizado desde 2009 com um Termo de Ajustamento de Conduta assinado com o Ministério Público Federal, e é conhecido como TAC da Carne.
No entanto, em 2017, um estudo do Imazon revelou várias fragilidades na execução deste TAC e demonstrou o alto risco de que frigoríficos ainda estejam adquirindo boi de áreas ilegalmente desmatadas. Por isso, como consumidora, escolhi parar de fomentar essa ilegalidade.
Direcionar nosso poder de compra para produtos de origem sustentável pode ter um efeito pequeno quando é feito de forma individual. Mas quando países, ou bloco de países escolhem barrar importação de produtos feitos de forma insustentável, o resultado é potencialmente mais transformador. É isso o que espero da recente decisão da União Europeia de barrar importação de produtos ligados a desmatamento ao redor do planeta.
Aprovada em 6 de dezembro deste ano, a regulação para produtos livres de desmatamento entrará em vigor em 18 meses para grandes empresas e 24 meses para médias e pequenas empresas. Tais períodos serão usados para publicar mais detalhamentos da implementação na nova regra, e também para as empresas se adaptarem às novas exigências.
Os produtos alvo da regra no primeiro momento serão: gado, cacau, café, óleo de palma, soja, madeira, borracha, carvão vegetal, produtos de papel impresso e outros produtos feitos ou derivados dessas matérias-primas. Por exemplo, chocolate, couro e móveis também entram na restrição.
Para serem importados, esses produtos não podem estar ligados a áreas desmatadas a partir de 31 de dezembro de 2020, seja desmatamento legal ou ilegal de acordo com as regras do país de origem. Além disso, a produção precisa obedecer às regras dos países produtores, incluindo direitos humanos.
O nível de avaliação que a UE fará sobre as empresas exportadoras dependerá do país de origem do produto. Quanto maior o risco de desmatamento, maior o critério de análise. Os países produtores serão divididos em três categorias a partir do seu risco de desmatamento: baixo, médio e alto. Por exemplo, uma empresa de um país considerado com alto risco de desmatamento deverá passar por um processo mais detalhado de avaliação prévia de suas práticas produtivas (processo chamado de due diligence), se comparada a uma empresa de país de baixo risco.
Os critérios para tal classificação de risco ainda serão determinados pela EU em uma regra específica, considerando fatores como: i) taxas de desmatamento, ii) produção de commodities, iii) legislação nos países produtores, e iv) se o país incluiu em seus compromissos climáticos junto ao Acordo de Paris a redução de emissões de gases de efeito estufa do setor de uso da terra. Nesse contexto, é muito provável que o Brasil seja considerado um país de alto risco. Portanto, empresas brasileiras que exportam produtos listados na regulação europeia precisarão se adaptar às novas regras.
Mas como toda nova regulação, há aspectos que precisarão ser aperfeiçoados. Voltando à minha própria regra de não comprar carne de boi, não demorou muito para que eu percebesse que havia vários outros produtos que eu ainda consumia e que poderiam ser ligados a desmatamento. Por exemplo, embutidos feitos com carne mista (salsicha, calabresa), artigos de couro, laticínios e vários outros. Com o tempo, fui ampliando a lista à medida que o mercado também passou a disponibilizar mais produtos veganos ou com alguma certificação confiável, por exemplo. É um processo contínuo de consciência como consumidora.
A regulação europeia também vai precisar ser aperfeiçoada e já prevê um período de revisão após o primeiro ano. Um dos pontos já criticados é que vegetações não florestais, como o Cerrado brasileiro, não serão atingidas nesse início. O problema é que o Cerrado vem sendo devastado de forma cada vez mais acelerada, e não conta com o mesmo nível de proteção legal que o bioma Amazônia.
O desmatamento no cerrado cresceu 25% no último ano, atingindo 10.688 km2 destruídos entre agosto de 2021 e julho de 2022. Os estados que concentram mais de 70% dessa perda anual são conhecidos pela sigla Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), considerada uma região de expansão do agronegócio.
É o Cerrado que possui a maior área de agricultura do país (42%), de acordo com dados da rede MapBiomas. Por isso, é também o bioma mais impactado pela produção de commodities exportadas, especialmente a soja.
A UE já sinalizou que deverá incluir as chamadas áreas arbóreas não florestais dentro no escopo da nova lei após o primeiro ano. Assim, também abrangerá produtos originados do Cerrado, que não poderão estar atrelados ao desmatamento após 2020.
Estamos diante de um ponto sem volta: os mercados consumidores mundiais passarão a exigir sustentabilidade na prática, e não apenas em discursos. Outros países, como os EUA, também já estudam adotar regras similares à da UE. E o Brasil possui todas as condições para ser o líder de exportação de produtos livres de desmatamento, considerando as áreas já desmatadas, que são suficientes para ampliar a produção agropecuária.
Para que as empresas exportadoras brasileiras não sejam prejudicadas com as novas regras da UE, o Brasil precisa reduzir o desmatamento. Isso colocará o país em uma classificação menos exigente no processo de due diligence europeu. Portanto, perder tempo criticando as regras da UE ou alegando violação de soberania dos países produtores é inútil. O país precisa rapidamente retomar a capacidade de combater o desmatamento e tomar medidas que adotem a produção sustentável como o padrão, e não a exceção como ocorre hoje.
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