Novo governo precisará chegar com ‘apetite logo no início da gestão’, com reforma administrativa e combate aos crimes ambientais, desmatamento e queimadas.

O ano de 2023 começa com muitas expectativas para a agenda agroambiental brasileira, com urgências que precisam ser rapidamente encaminhadas pelo novo governo federal e pelos governos estaduais. Há pelo menos três prioridades, que demandam atenção logo no início do ano e ao longo dos meses seguintes.


A primeira se refere à estrutura administrativa e de governança na área ambiental. É fundamental que o governo recomponha e reestruture órgãos de governo e instâncias de governança essenciais. Um exemplo é o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que foi transferido para a alçada do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no início de 2019 e que, pelas prerrogativas e atribuições que possui, deve voltar para o Ministério do Meio Ambiente.


É preciso, ainda, recompor suas diretorias e atribuições, por exemplo, em relação ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é a principal ferramenta e inovação que o Código Florestal traz para assegurar que a produção rural respeite a vegetação nativa e que contribua com a resiliência climática do país, tão necessária tanto para a segurança das populações urbanas quanto para a produção no campo.


Esse esforço administrativo vale também para o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que precisa ser restruturado. Não para que volte à sua composição original, que de fato trazia uma certa ineficiência, mas tampouco pode ser um conselho dominado por órgãos governamentais. É preciso dar novas prerrogativas e criar um sistema de governança moderno, assegurando a participação equitativa do setor privado, da academia e da sociedade civil.


Há, ainda, várias questões relacionadas à estrutura de governança em órgãos como Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Conselho Nacional de REDD+ e o Conselho Orientador do Fundo Amazônia.


A segunda prioridade, para a qual o governo precisará dar mostras de suas intenções e apetite logo no início da gestão, é o combate ao desmatamento e às queimadas. O Brasil precisa de um novo plano de ação para prevenção e controle do desmatamento e das queimadas na Amazônia Legal, nos moldes do bem-sucedido PPCDAm, cuja implementação foi responsável pela redução de 83% na taxa de desmatamento da Amazônia entre 2005 e 2012. É imperativo restabelecer a capacidade de integração e cooperação com os governos estaduais, além do diálogo e interação com a sociedade civil.


Tal intenção, de que haverá planejamento e ações integradas entre governo federal, governos estaduais e em diferentes instâncias e ministérios, para que se possa efetivamente fazer frente ao desmatamento, à grilagem de terras e às queimadas na Amazônia, precisa ficar evidente logo nos primeiros atos do governo, incluindo as nomeações para posições-chave nos primeiros escalões.


Combater os crimes ambientais em todo o país e, de maneira especial, na Amazônia, será o principal desafio do novo governo na área agroambiental, não apenas pela escala que esses crimes assumiram ao longo dos últimos anos, mas também porque a realidade atual é muito mais complexa do que nos dois primeiros governos Lula.


A conjuntura regional da Amazônia mudou muito, a conexão dos crimes ambientais com o crime organizado atingiu patamares inéditos na história. Invasores de terras públicas e de territórios tradicionais atuam em franca colaboração com grileiros e garimpeiros, ambos com laços financeiros com traficantes de drogas, de armas e de minérios valiosos. Será necessário demonstrar capacidade de planejamento e de articulação interinstitucional e multissetorial e realizar operações baseadas na inteligência investigativa e estratégica.

"A conjuntura regional da Amazônia mudou muito, a conexão dos crimes ambientais com o crime organizado atingiu patamares inéditos na história. Invasores de terras públicas e de territórios tradicionais atuam em franca colaboração com grileiros e garimpeiros, ambos com laços financeiros com traficantes de drogas, de armas e de minérios valiosos."

Beto Mesquita, membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor de Florestas e Políticas Públicas da BVRio


Por último, deve haver um esforço por parte do Ministério da Agricultura, em cooperação com o Ministério das Relações Exteriores, para oferecer demonstrações e garantias de que os investimentos relacionados ao uso do solo no Brasil serão concentrados na expansão de práticas de produção sustentável e regenerativa, incluindo modelos de agricultura de baixo carbono, proteção e restauração de ecossistemas e promoção da segurança alimentar e da resiliência climática. Esses sinais precisam ficar claros logo no primeiro semestre de governo, sobretudo diante de decisões como a recentemente definida pela União Europeia, de restringir a importação de commodities que tenham alguma vinculação com o desmatamento.


Uma boa bússola para tais iniciativas é o PlanaFlor, plano estratégico nacional que propõe um conjunto de ações organizadas em oito objetivos estratégicos, apontando caminhos para a recuperação da economia e da capacidade de geração de trabalho e renda no campo a partir do cumprimento e efetiva implementação do Código Florestal.


Reorientar a política de crédito agrícola, transformando o Plano Safra em vetor da agricultura de baixo carbono e da expansão da produção rural sem desmatamento, retomar e ampliar o apoio à agricultura familiar, reestruturar e fortalecer a governança agroambiental e criar as condições necessárias para dar escala aos investimentos em restauração e proteção ambiental são os eixos de um novo acordo nacional, ou green new deal.


A recuperação econômica do país deve ser pautada por um modelo de desenvolvimento sustentável, que tenha nas soluções baseadas na natureza e nas práticas sustentáveis de produção rural seus eixos principais, com uma abordagem socialmente inclusiva e de larga escala. Esses são os principais desafios na agenda agroambiental para o início do novo governo.


Os artigos de opinião são de responsabilidade do seu autor.

Sobre o autor

Engenheiro Florestal, doutor em Ciências Ambientais e Florestais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, mestre em Conservação da Biodiversidade pelo CATIE (Costa Rica). Atua há 30 anos em organizações do terceiro setor, tendo ocupado posições de liderança em instituições regionais, nacionais e internacionais. Atualmente, é diretor de Florestas e Políticas Públicas da BVRio e coordenador técnico do Instituto CICLOS de Sustentabilidade e Cidadania, instituição que ajudou a fundar em 2018. É autor de três livros e dezenas de capítulos e artigos sobre planejamento ambiental, áreas protegidas, serviços ambientais, restauração e iniciativas de múltiplas partes interessadas. É membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, do Conselho de Coordenação do Diálogo Florestal e do Conselho de Administração da Associação O Eco. Preside os conselhos deliberativos do Movimento Trilha Transcarioca e do Conservation Strategy Fund-Brasil.

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