Lula enfrenta Brasil destruído após 4 anos e precisa de novo modelo para combater crime organizado na Amazônia, fortificar comunidades tradicionais, promover um modelo de economia sustentável e cumprir compromissos internacionais contra mudanças climáticas.
Ao longo das últimas décadas, nosso país nunca havia testemunhado tantas ações de destruição dos nossos biomas, de envenenamento de nossas terras com agrotóxicos, de aumento da desigualdade social, de criminalidade no campo, e por aí afora. Todo um arcabouço de legislação ambiental, construído ao longo de décadas, foi fortemente enfraquecido. Instituições como Ibama, ICMBio, Funai, Embrapa, entre outras, foram sucateadas e tiveram suas missões comprometidas.
Esse espectro de destruição de instrumentos e instituições essenciais do Estado brasileiro foi claramente anunciado e premeditado na campanha eleitoral de 2018 e executado com maestria durante os últimos 4 anos, pelo governo que agora sai de cena.
A ação conjunta dos poderes Executivo e Legislativo, além da omissão do Judiciário, fez o país pagar um preço alto na destruição de nossos ecossistemas. Um reflexo é o aumento de 60% na taxa anual de desmatamento durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). Curiosamente, a perda recorde de floresta registrada entre agosto e dezembro de 2022 não cairá na conta do governo que sai, mas será contabilizada no governo Lula, já que o Inpe calcula as taxas anuais sempre entre agosto e julho.
Destruição além do meio ambiente
Infelizmente, o dano causado pelo governo que sai agora não se restringe à área ambiental. Todas as questões sociais e econômicas dos últimos 4 anos foram direcionadas à penalização dos mais pobres, o que aumentou a crítica desigualdade socioeconômica já existente no país. Como temos 30 milhões de brasileiros com fome, e um número de pessoas recorde de sem-teto, certamente essa emergência social vai drenar parte dos recursos necessários para aplacar a crise ambiental.
O cenário internacional também certamente irá trazer desafios: tanto à questão ambiental e climática, quanto à socioeconômica. A recente e acertada decisão da Comunidade Europeia de banir a compra de produtos advindos de desmatamento tropical deve afetar as exportações de carne e soja brasileiras. Temos que aprimorar os instrumentos de monitoramento de toda a cadeia de produção agropecuária, além da comercialização ilegal de madeira.
O Brasil também precisa cumprir seus compromissos associados ao Acordo de Paris, bem como aqueles assumidos na COP26 e na COP27. Por isso, trazer a COP30 para a Amazônia foi mais um golpe de mestre de Lula. Simbolicamente, será muito importante, mas o país precisará mostrar resultados positivos até lá.
Recuperando a Amazônia
É urgente “retomar” a Amazônia das mãos do crime organizado: acabar com garimpo ilegal, invasão ilegal de terras públicas e indígenas, grilagem, e muitas outras atividades ilegais que o atual governo incentivou na região Amazônica.
Qualquer modelo de desenvolvimento que seja sustentável na Amazônia precisa ser baseado em nossas leis e na Constituição. A propalada bioeconomia dos produtos da floresta não tem como competir com atividades criminosas. A região amazônica tem um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano do país e do mundo. Isso evidencia que o atual “modelo de desenvolvimento” não trouxe riquezas para a população amazônica, muito pelo contrário, trouxe criminalidade generalizada.
Para a recuperação da Amazônia, se faz necessária uma ação coordenada da Polícia Federal com Ministério Público, governos municipais, estaduais e federal, acompanhada de instrumentos científicos avançados com o sistema MapBiomas. Nós já temos ferramentas poderosas que podem fornecer o CPF ou CNPJ de responsáveis por áreas desmatadas e de garimpo, com resolução espacial excepcional. Por que estas informações não foram usadas nos últimos 4 anos pelo Judiciário e pelo Executivo?
Nossas principais instituições de pesquisas que lidam com a questão ambiental, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Instituto Mamirauá, e as universidades dos estados amazônicos, foram sucateadas ao extremo. No entanto, trabalhando nesses órgãos, o país tem um exército de pesquisadores prontos para arregaçar as mangas e reconstruir o país, por mais difícil que isso seja.
No Inpe, há funcionários com 48 anos de casa que não se aposentaram ainda porque acreditam no que fazem pelo país — e sabem que o próprio papel é fundamental para o Brasil e para o meio ambiente. A reposição de pessoal do quadro dos institutos de pesquisa e de professores das universidades federais também é urgente.
Tão importante quanto é o fortalecimento das ONGs que atuam e pesquisam na região amazônica, como Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Instituto Socioambiental (ISA), Instituto de Clima e Sociedade (iCS), entre muitas outras. O trabalho dessas organizações, juntamente com os institutos do Estado brasileiro, precisarão dos recursos financeiros do Fundo Amazônia, que deverá ser ampliado significativamente a partir do próximo governo. A aliança que Lula está sedimentando entre Brasil, Congo e Indonésia também é fundamental, pois aumenta o poder de negociação sobre a essencial proteção das florestas tropicais de nosso planeta.
Brasil e o compromisso climático
Por último, há a questão climática, que não está isolada e está relacionada com todas as outras medidas já citadas.
Na campanha eleitoral, Lula deixou claro que a questão climática e ambiental será uma das espinhas dorsais de seu novo governo. O sucesso da visita de Lula à COP-27, onde confirmou e enfatizou muitos compromissos, mostra a perspectiva positiva para o país. No entanto, temos que mobilizar a sociedade, sensibilizar o Congresso e todas as instâncias do Poder Judiciário, para que ter sucesso nessa tarefa fundamental para o país e planeta.
Venceremos.
A emergência climática está marcando a necessidade de mudar o sistema econômico, que só produz desigualdades sociais e destrói os recursos naturais essenciais para o futuro do planeta. Esse “novo” sistema econômico terá que ser construído pela sociedade, pois o atual modelo não será reformado para um modelo minimamente sustentável.
Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) são um importante guia para este “novo” sistema econômico, em que uma nova sociedade poderá emergir, com sustentabilidade, igualdade socioeconômica e de gênero. Esse é o único caminho que podemos vislumbrar para o futuro do Brasil e do planeta.
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