Países pobres são afetados pelas mudanças do clima, mas não são grandes emissores. Eles defendem o pagamento da conta pelas nações mais ricas. Discussão polêmica de ‘perdas e danos’ é uma das peças-chave da COP27.

Um dos temas mais importantes em discussão na COP-27, em Sharm el Sheikh, no Egito, é a chamada questão das “perdas e danos”. Afinal, o que é isso? Por que está sendo tão importante?

Estamos atualmente observando um forte aumento na frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos que trazem enormes prejuízos sociais e econômicos aos países pobres e em desenvolvimento. A grande seca e onda de calor que atingiu o Paquistão em 2022, seguidas de fortes inundações, que deixaram o país arrasado com 30% de sua superfície embaixo de água, trouxeram prejuízos de bilhões de dólares. Acontece que o Paquistão é responsável por menos de 1% das emissões globais de gases de efeito estufa, que intensificaram estes eventos.

É justo que o Paquistão pague pelos prejuízos de impactos que ele não intensificou?

A forte seca na Somália está deixando milhões de vulneráveis sem comida e água. O mesmo também ocorre com muitos países pobres da África e Sudoeste da Ásia. Essa situação está ligada ao aumento da frequência e da intensidade dos eventos climáticos extremos, como secas e inundações.

A discussão é antiga. Um grupo de pequenos países-ilhas levantou pela primeira vez o tema “perdas e danos” em 1991, apontando a destruição irreparável que enfrentaram com a elevação do nível do mar. Um grupo chamado de V-20 (Os 20 mais vulneráveis), que na verdade é composto por 58 países, fez estimativas de que seus países perderam US$ 525 bilhões, ou cerca de um quinto de sua riqueza, nas últimas duas décadas por causa das mudanças climáticas.

Um grupo chamado de V-20 (Os 20 mais vulneráveis), que na verdade é composto por 58 países, fez estimativas de que seus países perderam US$ 525 bilhões, ou cerca de um quinto de sua riqueza, nas últimas duas décadas por causa das mudanças climáticas.

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)

É justo que a população destes países pobres e pequenos paguem a conta sozinhos? Certamente não.

O problema dos países ricos é chamado de “liability”. Ou seja, eles têm medo de que ao começar a pagar parte desta dívida, eles venham a assumir que são responsáveis por essa conta total no futuro, que certamente vai chegar a muitos trilhões de dólares.

O aquecimento médio global atual é de 1,2 graus Celsius, e em algumas regiões continentais, a temperatura já aumentou 2,2 a 2,4 graus. E quando o planeta em média se aquecer a 3,2 graus, que é a trajetória que estamos seguindo, a situação vai se agravar, e muito. Isso vai aumentar as tensões geopolíticas e as desigualdades econômicas entre os países, acelerando as migrações de pessoas que estão hoje em regiões que serão insustentáveis daqui a alguns anos.

Um dos problemas do foco excessivo da agenda de “perdas e danos” é que o foco da COP27 teria que ser a aceleração do processo de descarbonização da economia global. Sem isso, a situação dos países pobres vai piorar rapidamente na emergência climática que está conosco agora. Todos os países têm que deixar de queimar combustíveis fósseis para geração de energia, e investir em geração eólica e fotovoltaica, que, em geral, já tem preços competitivos com a queima de combustíveis fósseis. O setor de transportes tem que ser eletrificado ao longo das próximas décadas. Novas técnicas agrícolas tem que ser implementadas para reduzir emissões de gases de efeito estufa na produção de alimentos.

Todos os países têm que deixar de queimar combustíveis fósseis para geração de energia, e investir em geração eólica e fotovoltaica, que, em geral, já tem preços competitivos com a queima de combustíveis fósseis.

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)
Albin Hillert / LWF
Grupo protesta em 10 de novembro de 2022, na COP27, no Egito, por financiamento de ‘perdas e danos’ das mudanças do clima

O Brasil, como sexto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, pode ser chamado a pagar parte desta conta, já que temos enormes emissões, por causa do desmatamento da Amazônia. Se o novo governo agir rapidamente e acabar com o desmatamento da Amazônia, isso será visto como um excelente sinal, e tirar o Brasil desta situação vexatória que o atual governo nos colocou.

O Brasil, como sexto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, pode ser chamado a pagar parte desta conta, já que temos enormes emissões, por causa do desmatamento da Amazônia.

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)

O Brasil tem que aproveitar suas vantagens estratégicas, como a possibilidade de reduzir 49% de nossas emissões, zerando o desmatamento, e obter benefícios ambientais com isso. Temos também enorme possibilidade de captura de carbono investindo em recuperação florestal. Temos um programa de biocombustíveis, sem igual no planeta, e um potencial de geração de eletricidade eólica e fotovoltaica que nenhum outro país possui. Vamos a partir de agora, nos tornar mais espertos, e aproveitar de modo inteligente estas vantagens estratégicas de nosso Brasil.

Sobre o autor

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS), e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

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