Países pobres e ricos estão divididos sobre quem paga a conta do enfrentamento da crise climática

É interessante lembrar que a história das reuniões climáticas da ONU não tem desfechos imediatos, como uma Copa do Mundo de futebol, na qual o campeão comemora logo após a final. Até mesmo um aparente sucesso, como a Declaração sobre Florestas, acordada no ano passado em Glasgow, na COP26, depende da boa vontade dos signatários para render bons frutos. Um ano depois, como avalia Bruno Hisamoto, do ClimaInfo, temos ainda muitas palavras e pouca ação. Segundo o  especialista em política internacional, “de lá para cá, o que se viu foi o recrudescimento do desmatamento em diversos pontos, inclusive na Amazônia brasileira, além do avanço de iniciativas que podem intensificar a destruição florestal, como o leilão de blocos de petróleo em áreas de floresta na República Democrática do Congo (RDC).”

No Egito, onde está ocorrendo a COP27, o grande assunto dos primeiros dias da Conferência – apesar de existirem vários outros que merecem atenção, como descreve o Estadão – é a questão de perdas e danos. Em resumo, os países mais pobres reivindicam a criação de algum tipo de mecanismo financeiro por estarem sendo fortemente afetados pelas mudanças climáticas, provocada, em grande parte, pelas atividades deletérias ao ambiente por parte dos países ricos.

Esse tema, como descreve o especialista indiano Saleemul Huq – o professor da Universidade Independente de Bangladesh é uma das grandes vozes mundiais a favor dos países mais pobres do mundo –, pode ser considerado como a próxima fronteira, em termos de compensações financeiras. Isso vale também para as políticas de mitigação e adaptação, voltadas, respectivamente, para evitar emissões de gases de efeito estufa e para minimizar os impactos da emergência climática. “Não há nenhuma responsabilidade moral assumida pelos países ricos [no tema das perdas e danos]”, diz Huq. “Esse é o primeiro passo. O dinheiro vem muito depois disso”, afirmou o especialista à agência Bloomberg.

A pergunta ainda sem resposta é “quem vai pagar a conta?”. Os países ricos ainda estão reticentes em desembolsar bilhões de dólares, apesar de concordarem com a urgência do combate à crise climática. Também temem por, ao desembolsar recursos para perdas e danos, estarem assumindo a culpa e a responsabilidade pelo aquecimento do planeta, o que poderá trazer consequências inclusive jurídicas. Do lado das nações mais pobres, quase sempre com orçamento curto, também não adianta o dinheiro vir em forma de empréstimo. Diante de tantas nuances e desafios à mesa de negociações, pode-se dizer que existe uma linha tênue entre o sucesso e o fracasso da Cúpula do Clima no Egito.

Por mais que os polidos e contundentes embates diplomáticos possam parecer algo distante da realidade, eles carregam não apenas simbolismos, como também culminam em decisões que serão cruciais para o futuro. A ciência, fiel dessa balança, continua produzindo estudos que apontam para cenários realmente catastróficos, para desespero dos negacionistas de plantão. Os negociadores sabem disso.

O Valor destaca, por exemplo, um relatório divulgado pela International Cryosphere Initiative que mostra como as mudanças climáticas estão colaborando para o derretimento acelerado de geleiras em diferentes partes do mundo. No ritmo atual, segundo o estudo, todo o gelo marinho do Ártico vai desaparecer durante o verão, o que gera sérias consequências para o clima e para toda a biodiversidade, incluindo, claro, os seres humanos.

Outro relatório mostra consequências igualmente pesadas para os moradores das grandes megacidades da África e de parte da Ásia. “As cidades mais insustentáveis ​​são Kinshasa, Nairóbi, Lagos, Dhaka, Bagdá, Lahore, Calcutá e Nova Délhi, que também aumentarão sua população em 50% até 2050″, aponta o mais recente relatório Ameaças Ecológicas, do Instituto para Economia e Paz, divulgado em outubro deste ano. O estudo analisa diferentes variáveis, ​​como a disponibilidade de acesso à água potável, os riscos de ocorrência de desastres naturais, o crescimento populacional e a insegurança alimentar. Os desdobramentos do problema – o governo do Egito, inclusive, está construindo uma nova cidade para que o governo e a elite escapem do Cairo, devido às condições climáticas cada vez mais inóspitas – são discutidos nessa reportagem do O Globo.

Os olhos do mundo agora se voltam para a COP27, visando testemunhar se os representantes dos países conseguirão entender a urgência sinalizada pelos cientistas e avançar na tomada de decisões de forma mais acelerada do que é comum de ser visto no mundo diplomático e de governança global. Quem sabe a proximidade com a Copa do Mundo, que começa dois dias depois do final da COP27 no Catar, país vizinho ao Egito, sirva de inspiração.


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