Em ano eleitoral, pautas importantes da agenda ambiental e de uso da terra podem ser votadas com pressa e sem debate aprofundado junto à sociedade.

Já vivemos as eleições para representantes do Congresso Nacional e, agora, teremos um segundo turno para a Presidência, fatos que trazem expectativas não só para janeiro de 2023, mas também para os próximos meses, no período de transição. Nesse cenário, surge o receio de que importantes pautas da agenda ambiental e de uso da terra sejam votadas apressadamente sem o devido debate junto à sociedade civil e às organizações dos setores envolvidos.

Dois dos principais projetos de lei (PL) que podem ser assim aprovados são o PL 3.729/2004, que flexibiliza o licenciamento ambiental para empreendimentos, e o PL 510/2021, sobre regularização fundiária. Ambos aguardam votação do Senado e têm sido acompanhados por líderes da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura por conta de sua importância para a agenda de desenvolvimento que o movimento almeja para o país. Essa agenda demanda o fim imediato do desmatamento ilegal e a promoção de uma economia de baixo carbono competitiva, responsável e inclusiva.

O primeiro deles, o PL 3.729/2004, já foi tema de posicionamento emitido pela Coalizão, que entende ser possível aperfeiçoar o processo de licenciamento ambiental, simplificando procedimentos sem, no entanto, perder de vista o objetivo desse instrumento, que é garantir que as atividades produtivas respeitem e não comprometam o direito constitucional da sociedade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O texto aprovado pela Câmara dos Deputados traz, na visão da Coalizão, insegurança jurídica para aqueles que desejam empreender, já que permite a cada estado da federação definir o empreendimento que deve ou não ser licenciado. Essa falta de padronização fará com que um mesmo empreendimento seja dispensado de licença em um estado e não em outros, tornando o sistema ainda mais complexo e incentivando a busca por estados menos exigentes em termos de legislação ambiental. A Coalizão entende que o texto atual pode ser melhorado a fim de que a legislação federal estabeleça critérios nacionais para o licenciamento ambiental, padronizando processos e homogeneizando as regras entre os entes federativos.

“O texto aprovado pela Câmara dos Deputados traz, na visão da Coalizão, insegurança jurídica para aqueles que desejam empreender, já que permite a cada estado da federação definir o empreendimento que deve ou não ser licenciado.”

Laura Lamonica, coordenadora-executiva da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

Também é fundamental que o licenciamento ambiental esteja conectado a outros instrumentos de planejamento ambiental, tais como a Avaliação Ambiental Estratégica e o Zoneamento Ecológico-Econômico, que esteve prevista em versões preliminares do projeto de lei, mas foi suprimida no texto aprovado na Câmara. Cabe ao Senado, portanto, resgatar essa conexão, evitando que sejam submetidos a licenciamento projetos sem viabilidade ambiental e aproximando o Brasil das melhores práticas mundiais, o que pode atrair investimentos.

Já em relação ao PL 510/2021, a situação pode ser ainda mais problemática. O atual texto que aguarda para ser discutido no Senado sofreu muitas alterações ao longo dos últimos anos. Entre essas mudanças está a flexibilização da data-limite para que invasões de terras públicas sejam legalizadas, passando de 2008 para 2014, bem como a permissão de que grandes áreas de terra, de até 2.500 hectares, sejam repassadas aos ocupantes sem qualquer vistoria presencial, apenas utilizando imagens por satélite. Tudo isso acaba por legitimar práticas de grilagem e, consequentemente, estimular mais ocupações ilegais que podem gerar desmatamento.

A Coalizão entende que a mudança na lei não soluciona a regularização fundiária e defende que a temática seja analisada sob um aspecto mais amplo do que a simples titulação de terras públicas. É fundamental que abarque a titulação de comunidades agroextrativistas, terras indígenas, territórios quilombolas e assentamentos e, ainda, concretize a destinação de 55 milhões de hectares de florestas públicas, segundo dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), dos quais quase 20 milhões pertencem ao governo federal.

Essa destinação, evidentemente, deve priorizar a conservação e o uso sustentável dessas áreas, por meio, por exemplo, de concessões florestais e criação de áreas protegidas, e não para premiar a ocupação ilegal, fortemente conectada ao desmatamento.

Existem ainda outras pautas que, por estarem em tramitação na Câmara dos Deputados, correm menos risco de uma aprovação a toque de caixa neste cenário de eleições. Apesar disso, vale salientar a importância delas, já que podem acarretar retrocessos caso aprovadas.

É o caso do PL 2.510/2019, que traz propostas que acabariam por flexibilizar normas ambientais em áreas urbanas, e do PL 686/2022, que permite o corte de vegetação secundária sem autorização prévia do órgão ambiental estadual, entre outros. Ambos sugerem alterações no Código Florestal e prejudicariam, em especial, a conservação da Mata Atlântica, bioma onde vive 72% da população brasileira em 61% dos municípios do país e onde predomina a vegetação secundária.

Não é hora, portanto, para votar projetos de lei que terão um impacto tão grande e duradouro no presente e no futuro dos biomas brasileiros. É essencial que as discussões sejam ampliadas e que contemplem uma visão sustentável e inclusiva para o desenvolvimento do país.


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