No segundo texto da série ‘Quatro Planos para a Amazônia’, especialistas avaliam que a proposta apresentada tem pontos positivos, mas não condiz com ações do atual presidente nos últimos 4 anos.
Após dizer que “a Amazônia não pega fogo por ser úmida” e manter um ministro do Meio Ambiente que defende “passar a boiada”, Jair Bolsonaro (PL) apresentou um plano de governo que defende o “desenvolvimento sustentável nos vértices da preservação do meio ambiente”. É por isso que, em todas as análises coletadas pelo PlenaMata, os especialistas avaliam o programa do atual presidente como “contraditório” e em desacordo com os últimos 4 anos de mandato.
Ilona Szabó, do Instituto Igarapé, afirma que o projeto traz menções explícitas à desigualdade socioeconômica na região e a um conjunto de atividades econômicas a serem priorizadas.
A especialista em políticas públicas para o meio ambiente elenca algumas das atividades citadas por Bolsonaro: o estímulo ao turismo responsável — o candidato foi o único a defendê-lo para a Amazônia —, à agropecuária e à mineração. Ela aponta que esse incentivo ao turismo pode ser “interessante na medida em que poderia gerar empregabilidade e geração de renda da população local”, sempre, claro, pensando que as atividades precisam ser pensadas para não danificar a floresta.
Por outro lado, dado o que foi feito pelo candidato Bolsonaro ao longo de seus 4 anos de mandato, de acordo com Szabó, “as menções a um necessário equilíbrio entre ‘proteção ambiental com crescimento econômico justo e sustentável para todos’ não são críveis”. Marcio Astrini, do Observatório do Clima, Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental, e Beto Veríssimo, do Imazon, concordam com a presidente do Instituto Igarapé.
Na visão dos analistas, o plano apresenta um projeto que contempla questões-chave amazônicas, como o desenvolvimento sem desmatamento, mas todos dizem ler o texto com desconfiança.
“Defesa do desmatamento zero todos os candidatos podem defender, mas na boca do Jair Bolsonaro é uma mentira”, comenta Astrini, que critica também outro trecho do plano, quando o candidato defende “a liberdade para uso responsável dos recursos naturais de todos os indivíduos para crescimento ordenado econômico”.
O QUE O PLANO DE BOLSONARO FALA SOBRE O USO DOS RECURSOS NATURAIS:
“Embora explorada de maneira distorcida por uma parcela das mídias internacionais e nacionais, notadamente quando o país é o Brasil e o bioma é o amazônico, a Constituição Federal, em seu artigo 225, garante: ‘Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do cidadão e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.“
“Nesse sentido é que se entende que o governo deve propiciar a todos, incluindo indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outros, a LIBERDADE de uso responsável dos recursos naturais que cada indivíduo ou coletividade dispõe legalmente no sentido de que exista, de fato, um crescimento ordenado, equilibrando proteção ambiental com crescimento econômico justo e sustentável para todos e benefícios sociais, possibilitado pela educação, pela capacitação, pela orientação técnica, pelo empreendedorismo e pelo fomento, de acordo com as peculiaridades regionais e culturais, mitigando a desigualdade socioeconômica entre as regiões e os cidadãos brasileiros”.
“‘Liberdade de uso responsável’, diz ele. “Mas ‘uso responsável’ é um termo que não combina com o governo Bolsonaro, e o crescimento ordenado não combina também. O que tivemos foi um crescimento do crime na Amazônia, e em outros biomas, e paramos a cobrança de multas ambientais nos últimos 4 anos”, diz Astrini.
Turismo sustentável
Um dos trechos do plano de Bolsonaro defende o turismo ambiental e o etnoturismo (visitas controladas, por exemplo, dos diferentes modos de vida da Amazônia), pontos classificados como positivos pelos analistas. Ramos avalia que a medida tem um lugar na pauta ambiental na perspectiva de que “é fundamental que se tenha mecanismos de apoio às atividades que se desenvolvem a partir da floresta”.
“No entanto, do ponto de vista de uma visão econômica, obviamente, isso é muito limitado. É importante, tem um papel, sim. Mas isso dito pelo Bolsonaro, que também defende a abertura das terras indígenas para a mineração, que também defende o garimpo, fica parecendo que ele está fazendo uma concessão às atividades que são dos próprios indígenas para fazer um discurso que seja menos colonial”, avalia a especialista do ISA.
Ramos critica fortemente o termo “liberdade” para uso responsável dos recursos naturais por todos. Segundo ela, por trás disso, há uma afronta ao dispositivo constitucional que se fala sobre o “uso exclusivo das terras indígenas pelos próprios indígenas”.
“Isso está coerente com o que ele defendeu nestes anos todos de governo, que é a abertura das terras indígenas para a exploração, mesmo que por terceiros”, afirma. Na mesma linha é a opinião de Veríssimo:
“O critério da Lei é o aceitável. A liberdade do fazendeiro não pode estar acima da lei. Ele sugere, neste trecho, que não é a Lei que é o parâmetro. Ainda mais com a experiência dos últimos quatro anos”, afirma o especialista do Imazon.
Já Szabó complementa, ainda, que o atual presidente detalha pouco sobre como deverá tornar as “atividades mais sustentáveis” e que, assim como outros candidatos, faz crer que não se trata de compromisso ancorado em reais propostas para a transição rumo a um outro padrão produtivo.
“O plano do Bolsonaro tampouco detalha como o candidato pretende tornar o Brasil um ‘País Verde Desenvolvido’, em contraponto àqueles que se desenvolveram pautados na degradação ambiental. O foco é sobretudo na produtividade do setor agropecuário”, avalia.
Leia também a análise dos planos de Lula, Ciro Gomes e Simone Tebet:
- Lula: plano prevê combate a crimes ambientais e desmatamento, sem detalhar ações
- Ciro Gomes: defende desenvolvimento e pesquisa científica na Amazônia, mas tem plano vago
- Simone Tebet: plano é um dos mais concretos e prevê recuperação de áreas degradadas
METODOLOGIA
O PlenaMata leu os quatro planos de governo dos quatro primeiros candidatos à Presidência melhor colocados nas pesquisas DataFolha e Ipec. São eles: Lula (PT), Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).
Em sequência, separou os trechos relacionados à Amazônia, principalmente, mas também conectados à pauta ambiental, às mudanças climáticas e ao desenvolvimento sustentável.
Por último, os trechos foram compartilhados com os especialistas para análise das propostas. Adriana Ramos, Ilona Szabó, Marcio Astrini e Beto Veríssimo enviaram documentos em texto e/ou conversaram por telefone.
Esta análise é uma parceria do PlenaMata com a iniciativa “Uma Concertação pela Amazônia”, rede com mais de 400 lideranças engajadas na preservação da floresta. Veja, abaixo, a biografia dos analistas:
- Adriana Ramos atua no campo das políticas públicas socioambientais há mais de 27 anos. Coordena o Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA). Faz parte da Coordenação do Observatório do Clima. Foi representante da sociedade civil no Comitê do Fundo Amazônia.
- Beto Veríssimo é engenheiro agrônomo pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), pós-graduado em Ecologia pela Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), pesquisador sênior e co-fundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e diretor do Centro de Empreendedorismo da Amazônia (CEA).
- Ilona Szabó é cofundadora e presidente do Instituto Igarapé, um think and do tank focado nas áreas da segurança pública, digital e climática. É membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), onde coordena o eixo sobre governança climática. Empreendedora cívica, com formação em relações internacionais, desenvolvimento e políticas públicas.
- Marcio Astrini é secretário-executivo do Observatório do Clima, rede formada por 77 organizações da sociedade civil brasileira que há 20 anos atua na agenda socioambiental e de clima. É ambientalista com formação em gestão pública, direito constitucional e políticas públicas.